Uma outra epistemologia
🚀 Olá, astronautas! 🚀
Antes de começarmos, tenho dois informes:
O primeiro é que fiz um blógue para reflexões maiores que um tuíte e menores que um artigo. Isso não quer dizer que a newsletter vai acabar. Esse aqui é um espaço que uso pra ensaios pessoais, o blógue é onde compartilho algumas das minhas ideias e opiniões sobre coisas externas a mim. São tons diferentes, propósitos diferentes, mas o mesmo funcionamento: escrevo quando tiver algo a dizer. Tenho o chamado de blógue underground, mas o nome dele é
Colem lá se tiverem interesse.
O segundo, já puxando pro tema de hoje e vindo em primeira mão pra vocês, é que eu e Anna Vitória vamos fazer a 💥 LIVE DO CAOS 💥. Em vez de especial de fim de ano do Roberto Carlos, vai ter o nosso especial! Vamos falar sobre caos, niilismo e outros dos nossos temas, além de responder perguntas, ao vivo no domingo, 20 de dezembro, às 20hs, no instagram. Vamos também comentar muito da bibliografia do caos que compilamos juntas e que tá no fim dessa newsletter.
Eu colocaria uma imagem bonitinha aqui com as infos, mas a gente literalmente acabou de decidir o dia e horário, então não temos nada, mas é fácil de lembrar!! Dia 20 às 20hs logo nesse ano de 2020! VENHA PRO CAOS VOCÊ TAMBÉM!!
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Agora, há muito tempo que prometo a vocês contar sobre o meu processo niilista. Chegou o momento.
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Há três anos, me tornei niilista por causa de Crazy Ex-Girlfriend. É engraçado falar assim, mas foi o que aconteceu. Na terceira temporada, a série teve uma virada de tom gigantesca e o que antes era uma comédia divertida sobre uma mulher que vê a vida como um grande musical se tornou uma reflexão profunda sobre o sentido da vida, e eu embarquei fundo nessa. Lembro ainda do dia que assisti pela primeira vez a cena em que cantam The End of the Movie. Eu conseguia sentir as sinapses acontecendo no meu cérebro enquanto exclamava “é isso! é isso! a vida não faz sentido narrativo!”. Com o perdão da comparação, foi como sair da caverna de Platão. Senti as correntes que me prendiam, me libertei delas, virei a cara, vi a luz, meus olhos doeram, comecei a andar com dificuldade até conseguir ver o mundo de fora e entender que tudo o que via antes eram sombras. Me sinto meio ridícula usando essa metáfora, mas foi exatamente assim.
Esse não foi um processo rápido, mas também não foi tão doloroso quanto eu esperava. A verdade é que, desde muito antes daquele episódio de Crazy Ex-Girlfriend, eu já estava elaborando essas coisas dentro de mim. Minhas questões com ser Sujeito Histórico, o vício que desenvolvi em Gone Now do Bleachers, os livros que não estava lendo, a própria criação dessa newsletter. Tudo isso – a minha vida toda – foi parte fundamental dessa história. Porque só assim meu cérebro conseguiu fazer as sinapses que fez ao ouvir The End of the Movie.
Então, talvez, eu não devesse dizer que me tornei niilista por causa de Crazy Ex-Girlfriend, porque não foi bem assim, a equação é mais complexa, mas foi a série que me deu as palavras que eu precisava pra juntar as pontas que estavam soltas na minha cabeça.
Depois desse episódio, eu só conseguia pensar sobre as narrativas. Nada faz sentido! Tudo é inventado! Eu falava como quem acabou de descobrir o termo “construção social” e ainda acha que, porque é uma construção social, a coisa, o conceito e a consequência de ambos não sejam reais. Dinheiro é uma construção social! Gênero é uma construção social! Tudo é inventado! Tudo é narrativa!
Eu me prometia meio brincando que um dia ainda leria Nietzsche. Meu pai dizia que, se eu fosse ler Nietzsche, eu descobriria que, na verdade, ele não é niilista – o que de fato vim a descobrir esse ano, lendo Além do Bem e do Mal (um livro que, inclusive, preciso repegar). Mas, em 2017 e 2018, isso ainda era um desejo espremido em forma de piada. Eu precisava de mais tempo elaborando certos conceitos antes de começar a ler uns cabeçudos desses.
Então, em vez de ler filosofia, ouvi Hamilton. E não é que ouvi uma ou outra vez, é que ouvia todos os dias. No final de 2018, o Spotify disse que tinha ouvido um total de 145 horas só de Hamilton. Era o que me ajudava a navegar e processar tudo que vinha acontecendo politicamente no Brasil, mas era também o que me ajudava a navegar e processar o que pra mim era uma nova forma de ver o mundo, e que eu ainda estava muito no começo da descoberta.
Assim como Crazy Ex-Girlfriend, Hamilton me dava palavras que eu ainda não conseguia formar sozinha. O verso da última música se tornou uma espécie de mantra: você não controla quem vive, morre ou conta sua história. Passei dias, semanas, meses pensando nessa mesma frase. Você não controla quem vive, morre ou conta sua história. O musical não mostra o quão assustador isso é. Não tem tempo. Esse é o final de uma peça de três horas; é uma forma de re-clamar pra si aquela história, aquela narrativa. E eu só conseguia pensar nisso, nas narrativas. Mas era só uma questão de tempo.
Falei aqui antes: 2018 foi o ano do caos. O mundo era só caos, o universo inteiro era caos, e eu achava que a resposta era essa, a narrativa, mas ainda não estava convencida. É que ela me parecia uma grande vilã, o motivo de eu nunca ter visto a realidade. A narrativa me limitava os sentidos e eu me sentia fraca. E pra onde quer que eu olhasse, aquilo era tudo que eu via: o caos coberto por esse manto da narrativa.
Achei que fosse me desesperar, me perder, entrar em crise profunda. Mas nada disso aconteceu. É que, a partir do momento que você aceita o caos, lidar com ele não é tão difícil assim. É que ele deixa tudo engraçado.
Virei essa espécie de evangelizadora do caos. Boa tarde, senhora, você já ouviu as palavras do nosso senhor caos hoje? É porque é divertido. É libertador também. No ano anterior, eu achava que tinha me libertado com o que cunhei de O Ano das Emoções. Nessa época, 2017, realmente vivi e acreditei nesse momento, com longas conversas sobre vulnerabilidade com as minhas amigas e chorando ao ouvir Melodrama. Mas existe uma diferença crucial entre se permitir sentir e estar vulnerável. Se permitir sentir e escutar seu emocional é fundamental e acredito que ajuda nesse processo de libertação, mas não dá pra estar vulnerável o tempo todo.
Se deparar com a falta de sentido intrínseco da vida e a aleatoriedade do mundo – que é o que chamo de caos – é se deparar com o abismo. Essa é a metáfora mais velha do mundo, mas é porque é esse sentimento, de ver que, dali em diante, não tem mais chão.
Cada um reage à sua maneira. Há quem se assusta logo e já dá meia volta. Há quem fica ali parado chorando porque não tem mais pra onde ir. Há quem decide fazer o que quer, porque acredita que o próximo passo leva à morte de qualquer forma. Há quem acredita que dá pra construir uma ponte pra um outro lado. Nada disso parecia razoável pra mim.
Como é que você encara de frente o abismo e finge que não viu? Como é que você esquece daquele buraco? Aquele desconhecido... Eu não conseguia esquecer, eu não queria. Eu não ia mandar um foda-se generalizado, porque entendia que, independente da falta de sentido e de controle, minhas ações ainda tinham consequências e eu tinha responsabilidade. Mas eu também não ia ficar ali parada chorando porque aquilo não tinha futuro. Da mesma forma que não podia construir uma ponte pro outro lado por um simples e único motivo: não tem outro lado. Só existe aquele nada existindo ali tão imponente que ele nem reconhece a sua existência. Mas você fica olhando pra ele. E ele lá, existindo.
Então, ali, metaforicamente na beira do abismo, nem pensei duas vezes. E me joguei.
Eu caí
e caí
e caí
até que parou. E eu não atingi o chão.
Era só vácuo.
Na terapia, esse era meu único assunto. Esse sentimento de estar no meio do espaço sem saber como se mover direito. No começo, era tão esquisito. Eu me sentia flutuando o tempo todo. A vida ia acontecendo e eu me deixava levar porque não tinha muito outro jeito. Eu continuava fazendo escolhas, tentando coisas, fazendo apostas pro futuro, mas não existia muito um plano, não queria chegar a lugar algum.
Era estranho porque minha vida inteira até então tinha sido movida a cumprir certas metas – provas, ensaios; eu preciso formar, eu repeti por anos, mas ali estava eu formada, sem um trabalho que eu tinha que cumprir metas. Por mais que ainda existissem alguns prazos, era diferente, não tinha um objetivo final, era só a vida acontecendo continuamente. Parecia que alguém tinha me dado um peteleco no meio do vácuo e agora eu seguia por inércia. O movimento constante.
Foram três anos no vácuo. Sinto que só aprendi algo agora.
No começo, era esse sentimento de completo desamparo. A falta de segurança, de suporte, de norte. Mas eu não estava desesperada, não estava perdida. Eu tava encontrada comigo mesma. Eu tinha perdido tanto de mim mesma em 2016. Em 2018, depois de me jogar ao caos, eu me refiz. Essa falta toda me permitiu brincar e agir a partir dos meus desejos. Eu nunca tinha desejado nada antes, mas em 2018, quando estava sem chão e lançada ao desconhecido, eu desejei. No meu aniversário daquele ano, meus 24 anos, eu mandei um áudio pra Anna Vitória dizendo que finalmente estava voltando a me sentir consolidada. Tinha voltado a ser eu.
Foram três anos de muitas descobertas, muitas novidades, era fácil entrar numa crise, eu a esperei dia e noite, mas ela nunca veio. Eu dissociei uma vez, eu chorei, praguejei pra deus, eu tive ódio e medo, mas nunca entrei em crise. Eu tava me divertindo.
Essa é a coisa que as pessoas se esquecem: é divertido. O caos, o desconhecido, é tudo divertido. O eros é criado pela falta. É porque você não conhece algo que aquilo te interessa e pode te gerar prazer. Me lançar ao desconhecido foi uma das coisas mais divertidas que eu já fiz.
A minha vida mudou. Não é que chutei o pau da barraca e mudei completamente a minha área de trabalho, os meus amigos, os meus gostos. Eu não larguei tudo e fui pra praia viver da minha arte, nem torrei toda a minha grana dando a volta ao mundo. Na verdade, eu continuei fazendo muito do mesmo. Escrever, pesquisar, estudar, trabalhar com texto, ler mapa astral, ter aulas. Essas coisas não mudaram. Assim como continuei encontrando minhas amigas em cafés em vez de baladas, indo ao parque e a museus, um barzinho ou outro de vez em quando.
A minha vida não mudou, mas a forma com que eu lidava com ela passou por uma transformação enorme. Comecei a ler mais anticapitalistas, mais teoria colonial, coloquei os pezinhos na piscina dos estudos digitais. Mudei meus conceitos. Larguei mão da noção de controle. Não podemos controlar nada, nem a nós mesmos. Nossos corpos (e aqui coloco mente como parte do corpo) funcionam independente do que queremos. A vida acontece no aleatório. Não existe controle.
Peguei emprestado um conceito da Análise do Discurso: sujeito tático. Tentando ser breve na explicação: as formações discursivas têm relação com as formações ideológicas, que surgem com as formações econômicas; o sujeito do discurso é atravessado pelo inconsciente e interpelado pela ideologia. O sujeito tático é aquele que percebe essas estruturas e as manobra. Ele trafega por terras alheias, que não são dele, mas ele não se dobra completamente às regras desse lugar, ele se vira com o que tem pra hoje.
Pra mim, é um pouco assim que vejo o movimento no caos. Não tem como dar as cartas, mas a gente pode se movimentar. Criamos nossas táticas, somos desviantes.
Assumir o caos é se despir das narrativas que nos foram ensinadas. A do trabalho que devemos seguir, das relações que devemos querer e manter, dos papeis que devemos assumir, da forma como devemos nos ver. É olhar uma por uma e encontrar as estruturas, se perguntar o que dessas estruturas você concorda e o que você discorda. Voltar às suas raízes e começar a mudar de lá. Primeiro, os conceitos. Depois, a consequência teórica da mudança de conceitos. Então, vem a sua perspectiva e, com ela, o seu discurso. Daí, vem a ação.
A ação gera novas indagações, as indagações geram novas ações. É a práxis: prática e reflexão em conjunto. Pensar sem agir te faz hipócrita. Agir sem pensar te faz imbecil. A práxis é a única maneira de estar no mundo.
É um processo lento. De conceito em conceito, de área em área. É um processo que nunca acaba. Assumir que tem um ponto que para, um ponto que você já sabe de tudo, é se limitar. É voltar ao chão e ignorar o abismo.
Foram muitas sessões de análise em que me repeti, que busquei a palavra certa, que tentei construir imagens e metáforas que me ajudavam, que fui entendendo melhor de onde vinham as minhas questões.
Foram leituras bem devagar, pra dar tempo de ir elaborando tudo com calma, pensando em como aplicar certas coisas na prática, o que ali eu concordava ou discordava e por quê.
Foram muitas conversas com muitas amigas diferentes, muitas vezes chegando nas mesmas conclusões, muitas outras sem chegar a conclusão nenhuma. Desabafos, reflexões, piadas, histórias que aconteceram com a gente, fofocas que geravam elaborações mais profundas, longos comentários sobre coisas que se passavam pelas nossas cabeças, opiniões que não queríamos dividir na internet, pedidos de ajuda pra elaborar algo que nos encasquetava.
Não existe apenas uma narrativa normativa, mas várias. Durante esse processo de viver o caos, percebi que nenhuma delas me serve, me percebi sujeita tática, desviante. E, se por um lado, isso é libertador, porque posso criar minha própria noção de eu-mundo e moldar as minhas escolhas da maneira que quero, por outro, fazer isso é muito cansativo e solitário. Não ter nenhuma base, nenhum exemplo, nada que dê um mínimo de segurança que me faça acreditar que vai dar certo é um trabalho constante de ter que inventar respostas sozinha. É se convencer todos os dias que vai ficar tudo bem ao mesmo tempo que se pergunta o que raios isso significa.
Durante a adolescência, meu sonho era ser “diferente”. Eu via as histórias de pessoas que de alguma maneira negaram o sistema e, com isso, puderam reinventar e reestruturar uma série de coisas (estruturas sociais, as artes visuais, a literatura, a música etc.) e pensava que queria ser assim. Eu não queria me conformar. Eu me tornei "diferente"; canso de ouvir todo mundo que me conhece dizendo que sou um ponto fora da curva. Mas todas essas histórias que eu gostava e que me faziam querer ser "diferente" seguem a mesma estrutura narrativa hollywoodiana de sucesso.
Mas a vida não tem sentido narrativo. É só caos. Acontecimento atrás de acontecimento e a gente tem que dar um jeito de assimilar isso. E quando você rejeita os valores que vêm junto aos discursos da sociedade fica mais difícil. Quando você para de acreditar naquelas narrativas que inventaram, quando se dá conta de que nada daquilo é o que você quer, você perde as referências.
Vem o medo, a insegurança, o receio. Ninguém conta a história de quem se fodeu, mas a gente sabe que existem milhões. E a história de quem não foi incorporado pelo sistema só chega por vias muito alternativas. Os exemplos de vidas alternativas que temos são sempre os mesmos. Mas como fica uma vida de quem não quer largar tudo e ir pro mato ou vender sua arte na praia e, ao mesmo tempo, não se encaixa nas narrativas neoliberalistas? Não existe uma resposta. Você tem que criar a sua.
Muitas perguntas começaram a surgir. Quanto às minhas relações, meus trabalhos, minha imagem, os espaços que ocupo. Comecei a questionar meus desejos mais profundos, aquilo que, de alguma forma, sempre usava como base, a vida que eu pensava antes de dormir. Eu já pensava em tudo isso antes, já me questionava uma série de coisas, mas depois do caos, foi mais fácil assumir meus desvios.
Muita gente acha que falar em controle é importante porque gera a noção de responsabilidade. Se você controla suas ações, seus pensamentos, seu corpo, seus discursos, isso parece gerar responsabilidade. Eu não percebia essa relação até o dia em que estava tentando explicar pra uma amiga que tudo é caos e ela me respondeu quase em desespero que o controle é importante pra que as pessoas se responsabilizem.
Não é.
Eu já vinha com essa ideia faz tempo: você não tem controle, mas tem responsabilidade. Não ter controle não significa não ter ação e autonomia. Somos sujeitos táticos. Tento explicar isso o tempo todo – pra amigues, pra familiares, pra pessoas na internet, pra pessoas que conheço pouco mas por quem tenho grande simpatia. Mas todo mundo é tão apegado ao controle.
Durante esse ano de 2020, vi as pessoas surtarem por causa disso. A pandemia me gerou outras questões, eu nunca estive tão puta na minha vida e, em partes por isso, toda vez que eu via alguém falar de controle, eu tinha um ataque de raiva. Eu tô há três anos falando constantemente sobre isso!! Tudo que escrevo on-line desde novembro de 2017 é sobre a vida não ter sentido e estarmos apenas no caos. Ninguém pensa por 5 minutinhos sobre o que eu falo?!?! Resolvi a situação silenciando a palavra nas redes sociais. E silenciando por um tempo as pessoas que estavam mais surtadas quanto a isso. Só falava desse assunto com a Anna Vitória, que também sentia a minha indignação, apesar de com menos intensidade. Foi ela quem me acompanhou durante todo esse processo.
Muitas pessoas estavam comigo, mas foi ela quem me acompanhou, que também viveu o mesmo baque que eu no mesmo momento. Cada uma de nós elaborou o significado e as consequências da falta de sentido da vida à sua maneira, mas sempre trocando questões, ideias, leituras, reclamações e alegrias. Resolvemos fazer uma bibliografia do caos – que vai de Byung Chul-Han à Taylor Swift e vai estar no final dessa newsletter.
No meio disso tudo, parei de me utilizar da metáfora de caminho ou jornada para falar do Processo. Ambos os casos dão a ideia de ter um lugar pra chegar, mas não tem. Não existe “chegar lá”, a vida sempre continua, tudo está sempre em movimento.
Tudo é espaço, universo. Não tem chão. No começo, eu só via o vácuo escuro, um espaço sem luz. Aos poucos, as estrelas foram aparecendo brilhantes lá longe, fui chegando mais perto delas. Comecei a ver asteroides e planetas, passei a sentir suas forças agirem. Agora, faço parte dessa movimentação. Ainda não encontrei outras pessoas. Me pergunto se, um dia, encontrarei minha base espacial, ou se continuarei à deriva no fluxo eterno dos corpos celestes. Eu também sou poeira estelar.
Não é tanto sobre o meu espaço, mas sobre como me movimento no espaço que existe e que não é de ninguém, é o próprio mundo. Isso também faz parte de quem sou. Nós também somos mundo. E o mundo vai muito além do antropoceno.
Já faz um tempo que estava conversando com a Anna Vitória sobre a dificuldade que é conversar com pessoas que não entendem – ou mais ainda: que se recusam a entender – o que tenho vivido nesse meu processo niilista. Me afastei de muitas pessoas queridas porque simplesmente não conseguíamos mais ter bases em comum e, com isso, a comunicação ficou difícil. Não parei de gostar de ninguém, eram/ são só momentos diferentes e, enquanto eu ainda estava nessa fase pós-inicial, já reaprendendo a me movimentar no espaço, a conversa ficou difícil porque eu ainda não tinha todas as palavras pra me explicar e ainda estava sensível demais a quem recusava tudo ser caos.
Nessa conversa, a Anna Vitória disse que entendia minha dificuldade, porque não era que eu tava em uma página diferente, é que eu tinha mudado a minha epistemologia. É um pouco isso mesmo.
Esses dias, em um áudio pra ela, lembrei de uma história que eu pai sempre contava que leu em um livro do John Cage. Peguei emprestado na estante e encontrei o trecho na parte I de “Conferência na Julliard”, que coloco aqui com o perdão da destruição formal dos espaços:
Numa conferência sobre Zen-budismo no inverno passado, o dr. Suzuki disse: ‘antes de estudar Zen, homens são homens e montanhas são montanhas. Enquanto se estuda Zen, as coisas se tornam confusas: não se sabe exatamente o que é o que e qual é qual. Depois de estudar Zen, homens são homens e montanhas são montanhas.’ Depois da conferência foi feita a pergunta: ‘dr. Suzuki, qual é a diferença entre homens são homens e montanhas são montanhas antes de estudar Zen e entre homens são homens e montanhas são montanhas depois de estudar Zen?’ Suzuki respondeu: ‘a mesma coisa, só um pouco como se você tivesse os pés um tanto fora do chão.’
No livro, John Cage diz que estudar música é a mesma coisa. Acredito que muitos dos estudos que decidimos nos aprofundar – e aqui penso nas minhas vivências e o que escuto e percebo das vivências de amigues, principalmente nas áreas de Artes e Humanas, mas creio que tanto nas Biológicas quanto Exatas também – sejam dessa mesma forma. Toda a minha vivência com o caos é a mesma coisa.
Antes, homens eram homens e montanhas eram montanhas. Tudo ficou confuso por um tempo, ficou difícil diferenciar. Agora, começo a ver um pouco mais nítido. Ainda não acredito que esteja tudo focado, me parece uma pretensão achar que enxergo bem. Mas alguma diferenciação já existe. Homens estão voltando a ser homens e montanhas estão voltando a ser montanhas. Mas eu já não tenho os pés no chão.
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BIBLIOGRAFIA DO CAOS, por Clara Browne e Anna Vitória Rocha
BIBLIOGRAFIA DE BASE
Reputation; Taylor Swift
Crazy Ex-Girlfriend - temporada 3 e 4
No Enxame; Byung-Chul Han
PARA IR ALÉM
Livros
A louca da Casa; Rosa Monteiro
A rosa do povo; Carlos Drummond de Andrade
durante um terremoto; Helena Zelic
Ongoingness - the end of a diary; Sarah Manguso
Pedagogia do Oprimido; Paulo Freire
Psicopolítica; Byung-Chul Han
Reparação; Ian McEwan
Tupinilândia; Samir Machado de Machado
White Album; Joan Didion
Álbuns
AmarElo; Emicida
Dirty Computer; Janelle Monáe
Gone Now; Bleachers
Hamilton
More Adventurous; Rilo Kiley
Mulher do Fim do Mundo; Elza Soares
Joanne; Lady Gaga
Músicas
20 something; SZA
Meet me in the hallway; Harry Styles
Séries
Atlanta
Fleabag
The Good Place - temporada 3 e 4
Undone
Filmes
Jesus Christ Superstar
Little Women; Greta Gerwig
Star Wars - Os Últimos Jedi
CITADOS NAS NEWSLETTERS
Músicas
Acid Tongue; Jenny Lewis
A ostra e o vento; Chico Buarque
Baby; Gal Costa
Palco; Gilberto Gil
Salva a humanidade; Tom Zé
Tudo que você podia ser; Milton Nascimento & Lô Borges
Álbuns
Be The Cowboy; Mitski
Sobrevivendo no Inferno; Racionais MC's
Livros
A Agonia do Eros; Byung-Chul Han
A Arte de Pedir; Amanda Palmer
A Coragem de ser imperfeito; Brené Brown
A Paixão Segundo G. H.; Clarice Lispector
A Parábola do Semeador; Octavia Butler
Diários 1909-1912; Franz Kafka
Ensinando a Transgredir; bell hooks
Explosão Feminista; Heloísa Buarque de Hollanda
Gênesis; Clara Browne
Há mundo por vir? Ensaios sobre os medos e os fins; Debora Danowski e Eduardo Viveiros
Ideias para adiar o fim do mundo; Ailton Krenak
Jogos Vorazes; Suzanne Collins
Poesia Completa; Orides Fontela
Poemas
A máquina do mundo; Drummond
Johnny B. Good; Leminski
Filmes
Blindspotting
Dor e Glória
Frances Ha
Infiltrados na Klan
Lady Bird
Sorry to bother you
Séries
Broad City
Russian Doll
The Get Down
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Ficou afim de saber mais dessa bibliografia? Quer conversar mais sobre o caos? Vem pra 💥 LIVE DO CAOS 💥, comigo e com a Anna Vitória, dia 20, às 20hs, no instagram. Vamos divulgar mais no tuíter (@BrowneBrownie e @loveology_x) e no instagram (@brownebrownie e @loveology_x).
Bjoks,
Clara