Incomunicável
🚀 Olá, astronautas! 🚀
Depois do primeiro encontro do grupo de leitura da pós, eu e uma amiga esticamos o papo durante o horário do almoço pra falar mal do Harry Styles, um assunto do qual nós duas precisávamos desabafar.
Desde o Met Gala que o Harry apresentou em 2019, eu já não estava achando que ele era Tudo Isso e, de lá pra cá, a situação só foi piorando. Suas músicas ficaram mais sem graça, suas roupas menos interessantes, ele enfeiou monstruosamente. No começo, eu ficava meio assim de falar sobre isso, como se o problema fosse eu que não estava entendendo o que estava acontecendo, enquanto todas as outras pessoas – como, por exemplo, as minhas amigas – viam algo que eu não tinha alcance pra ver. Mas os anos foram passando e o Harry piorando tanto que percebi que, na verdade, quem não tava entendendo nada eram (e são) as pessoas que ainda gostam dele (com todo o respeito, amigas), porque absolutamente nada do que ele faz ou diz ou aparenta é interessante. Mas não gostar de Harry Styles, ainda mais tendo o amado tão publicamente, parece quase como um surto de loucura. Ou de chatice.
No começo, me sentia tão fora da realidade que guardei a opinião pra mim mesma. Mas me sentia tão louca que precisei experimentar dizer algo, uma forma de estender a mão e ver se alguém a pegava. E, nas primeiras vezes, ninguém me deu bola, mas eu estava certa e determinada de que ele tinha se tornado desinteressante – e, por mais que me sentisse louca e chata pra cacete e fora da realidade dos outros seres humanos, decidi insistir porque, naquele ponto, eu já estava indignada com aquilo tudo. Como é que pode todo mundo amar algo tão sem graça?! Pelo amor de DEUS, sabe!! Parecia que todo mundo o elogiava porque era um costume, não porque era real (fenômeno que acontece com outras celebridades, como Beyoncé e Meryl Streep, entre outres). E isso foi me deixando tão puta que chegou o ponto que precisei bloquear o nome Harry Styles no meu tuíter. Mas lembremos aqui também que esse foi o começo da pandemia, quando a nossa vida inteira se tornou on-line, sem nenhum respiro analógico.
Mas eu ainda me sentia deslocada com isso. Como se não gostar de Harry Styles tivesse virado só mais uma das coisas engraçadinhas da minha personalidade, o que não era o caso, mas eu não conseguia explicar direito e também achava que absolutamente ninguém no mundo ligava pra minha explicação, porque essa era só mais uma das minhas opiniões chatas. Foi só quando minha amiga Jumed, que esteve ao meu lado durante todo o surto de amor ao Harry, admitiu pra mim que também não via mais nada dele que consegui ficar um pouco mais tranquila. Ufa. Eu não estava sozinha.
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Depois que todas as pessoas do grupo de estudos desligaram e só sobrou minha amiga e eu, ela me disse: eu fiquei tão aliviada de saber que você também não gostou do clipe do Harry, amiga. E, daí, não foram mais de três frases para chegarmos ao assunto que realmente precisávamos conversar: a sensação de solidão que tem nos assolado.
Quem trouxe o tema foi minha amiga. Ela me disse que não sabia mais qual era o seu lugar e, mesmo antes de me explicar, eu a entendi. Ela continuou falando: depois de dois anos de pandemia, uma gestação inteira, um ano cuidando da primeira filha e um mestrado estendido, ela já não é mais a pessoa que foi. Mesmo que ela estivesse ali com seu suéter amarelo com as cores tão dela, falando do seu jeito tão próprio. Muita coisa aconteceu, muito mudou. Não tem ninguém no mundo que continuaria igual. Arrisco dizer que não tem ninguém no mundo que continue igual.
As questões da minha amiga são muito próprias dela, de ter engravidado durante uma pandemia enquanto estava no grupo de pesquisas da nossa orientadora. Essas coisas em específico trouxeram questões pra ela que outras pessoas (grávidas ou não, pesquisadoras ou não, com a mesma orientadora ou não, na pandemia ou não) não poderiam ter. É porque foi com ela. Naquele dado momento. Naquela situação.
Ela falou muitas coisas que achei interessante, mas que não acredito que cabem a mim contar. Mas meu ponto aqui é que, ouvi-la falar sobre não saber mais qual é seu lugar no mundo, ironicamente, me fez sentir em casa. Porque por mais que nós duas tenhamos passado por coisas tão diferentes nos últimos anos, ambas temos nos sentindo do mesmo jeito. As coisas que ela me trouxe na nossa conversa pra falar mal do Harry Styles não tinham nada a ver com o Harry, mas tudo a ver com o que há tempos tenho sentido e tentado elaborar. E, juntas, conseguimos falar sobre o que realmente precisávamos, o que chamamos de incomunicável.
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Uma das coisas mais difíceis do câncer da minha mãe durante o ano passado não foi necessariamente ter que lidar com a mortalidade palpável dos meus pais (o que foi bem difícil), mas não ter com quem falar sobre o assunto. Isolada em casa há um ano, então, eu já tinha me afastado de muitas pessoas e as que ainda eram próximas estavam exauridas demais para estarem presentes nesse momento.
Não quer dizer que elas não tentaram, porque tentaram. Mas o tipo de apoio que eu precisava, nenhuma amiga conseguia me dar. Fosse por um motivo ou outro, simplesmente não dava.
Só que isso fez com que muito do que eu estava pensando e sentindo fosse impossível de compartilhar. Porque não é como se desse pra falar sobre a mortalidade dos seus pais com os seus próprios pais. E, morando com uma mãe com câncer durante uma pandemia, mesmo nos momentos de abertura de ressocialização, fez com que eu não pudesse sair de casa para encontrar pessoas, porque era um risco de saúde muito grande pra ela.
Minhas amigas me mandavam mensagem: Como tá sua mãe?, (mal.), Como tá seu pai?, (mal.), Como cê tá?, (mal.), mas no fundo, ninguém tem o que falar em situações assim. A gente vai lidando e os meses vão passando e a vida acontecendo.
Aos poucos, as mensagens diminuíram até que praticamente pararam por completo. Enquanto isso, minha mãe continuava a emagrecer. Ela estava tão fraca que mal conseguia abraçá-la, parecia que ela ia quebrar. Eu e meu pai saíamos pra caminhar com a Léia e a gente contava histórias pra se lembrar de momentos melhores e toda vez meu pai dizia: sua mãe é uma força da natureza, e eu sorria e concordava, mas era tão, tão estranho vê-la daquele jeito. Ela não sorria mais, todos os prazeres tinham sido tirados dela e suas feições já não eram mais as mesmas. Minha mãe passou minha vida inteira me ensinando que felicidade dá trabalho e vale todo o esforço. Vê-la sem conseguir sorrir era como ver outra pessoa por completo.
Ela estava sempre com medo e triste e, ao longo da quimio, minha mãe foi perdendo tanto a energia que mal conseguia passar um dia acordada. A gente se repetia que aquilo não era a doença, era o processo de cura, tudo ficaria bem. Mas essa cura destrói muito no processo. Minha mãe mal conseguia comer, estava sempre deitada, muitas vezes dormindo com uma respiração tão quieta que eu precisava parar e observar bem pra me certificar de que era só sono, o medo como uma sombra que tomava metade do meu corpo, parado sempre ali na parte de trás da minha cabeça, eu conseguia sentir descendo as minhas costas pela minha espinha até ela inspirar... e expirar... e inspirar de novo.
Esse é o tipo de coisa que não dá pra falar nem ao telefone, imagina então com quem é afetado por isso. Mesmo com meu pai, que tem um certo orgulho de ser super racional, tinham conversas que simplesmente não davam pra se ter. Ainda no começo de toda essa história, na semana que soubemos o diagnóstico da minha mãe e quando meu mal conseguia abaixar porque tinha caído da escada algumas semanas antes, ele veio conversar comigo sobre como eu estava e eu chorei horrores falando do medo de estar sozinha no mundo com a morte deles. Eu estava assustada, por mais que minha intuição dissesse que seria ruim mas que ficaria tudo bem (que foi o que, no fim das contas, aconteceu). Eu estava vendo meu pai envelhecendo e minha mãe doente e eu com 26 anos sem nada além deles. E assim que disse isso a meu pai, sua reação foi dizer calma lá, eu só caí, eu não tô pra morrer.
Ele falou brincando nos outros dias: a Clara já tá me colocando pra morrer, e sei que tinha um toque de humor, mas também era um enorme indicativo de que aquilo tinha mexido com ele. Mesmo pra quem racionalmente não tem medo da morte, ela continua sendo uma coisa esquisita.
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Pessoalmente, o primeiro ano da pandemia não me foi de todo o ruim. Foi revoltante e acho que passei praticamente um ano puta da vida, mas não sofri o luto coletivo de descobrir que não temos controle de nada. Eu já tinha passado por essa crise pelo menos dois anos antes e, pra ser bem sincera, ver as pessoas – especialmente minhas amigas – vivendo isso me deixou revoltada. Então, quer dizer que ninguém me ouviu? Que passei dois anos falando com a parede? Que ninguém entendeu uma mísera palavra do que escrevi e pelo que tanto trabalhei? Eu juro que só não saí no soco com ninguém porque estávamos em regime de isolamento social. E porque eu não tenho nenhum músculo no meu corpo.
2020 foi o ano que vi todos os meus amigos entrarem em crise profunda e eu simplesmente não conseguia conversar com eles sobre isso. Porque toda vez que me vinham com essas questões, eu não conseguia não me indignar. Sim, tudo é caos. Eu tô há literais anos dizendo isso. Mas eles estavam desconcertados e com medo e perdidos enquanto eu já tinha passado tempo demais pensando sobre o assunto. Estávamos em momentos diferentes dos nossos processos e era difícil conversar. Então, fomos conversando menos e menos. A exaustão causada pelo capitalismo computacional foi só um adendo, quase uma desculpa para o afastamento.
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Eu sinto que tudo que a gente fala no grupo de pesquisa, tudo que a gente discute lá, me faz ficar mais afastada das pessoas, minha amiga me disse quando éramos pra estar falando mal do Harry Styles. É como se todo mundo estivesse pensando em coisas que pra gente já passaram faz muito tempo, a gente tá em outro ponto.
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Anos antes, a Anna Vitória me falou que a minha virada niilista não era só uma mudança qualquer, é uma outra epistemologia, ela me disse. Foram anos tentando organizar esses pensamentos, algo que eu conseguisse explicar para as pessoas que não estavam ao meu lado nessa jornada toda. E toda vez que eu conseguia me organizar um pouco mais nas minhas ideias ao explicá-las pra alguém e toda vez que a pessoa com quem eu estava conversando não entendia a magnitude do que eu estava falando, eu me sentia me afastando mais um passo.
Não é uma sensação de superioridade. Não tem a ver com níveis ou quilometragem numa estrada metafórica. No meio dessa minha virada, o que percebi é que não existe nada além do espaço. Não tem hierarquia ou uma direção específica pra se seguir. Tudo é cima e baixo e lado e perto e longe. Mas tem vezes que a sensação é que estou em outro planeta. Ou que todo mundo está num planeta e eu estou flutuando muito longe da atmosfera que forma o ar dos outros. E tem dias que quero estar ali junto respirando. No espaço, não tem ar. Mas a variação das gravidades e de todas as forças da física que eu não lembro porque não passei na matéria da escola me chama muito mais. É pelo que me interesso.
Hoje em dia, tanto mudou que parece que já nem é uma questão epistemológica. É outra ontologia. E olha que eu nem sei bem o que ontologia significa. Mas é uma base. É algo tão fundamental, é a raiz e o solo. Os nutrientes que absorvemos.
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Tudo é sempre meio. Penso naquela música do Tatit:
Diria sem muito rodeio
No princípio era o meio
E o meio era bom.
Depois é que veio o verbo,
um pouco mais lerdo,
que tornou tudo bem mais difícil.
Criou o real, criou o fictício.
Criou o natural, criou o artifício.
Criou o final, criou o início.
O início que agora deu nisso.
Consigo refazer meus passos. O grupo de pesquisa, minha orientadora, a professora que me apresentou a ela, minha última matéria da faculdade, ter trancado a graduação, viver uma crise política, ter conhecido a Anna Vitória, a crise de ansiedade, o gatilho dessa crise, a crença profunda em um futuro revolucionário, ter conhecido a Sofia, minha amizade com a Juia, o começo da graduação, os anos de escola, a primeira vez que li Paulo Leminski, eu consigo chegar até antes, muito antes de eu nascer. As histórias de família, as histórias da formação do Brasil em si, as primeiras civilizações, a formação das placas tectônicas, o surgimento da Via Láctea, o big bang, meu pai na minha cama me ninando com a história do universo: tinha um tempo que não tinha tempo.
Parece tão natural, racional, uma única linha de raciocínio. Narrar é esquisito, inventar sentido é o maior poder possível. Porque depois que ele existe, como podia ser diferente? Como não seríamos quem somos e não estaríamos aqui? Exatamente aqui. Com todos os nossos e se. Com tudo, tudo, o que é nosso.
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Em nossa conversa pós grupo de leitura, minha amiga me falou que estranha ver amigos que ela não via antes da pandemia. Eles perguntam a ela sobre certas coisas que ela já não sabe bem o que dizer, como contar. Porque passou. Ela me disse: essas coisas são formativas, eu não seria quem sou se não fosse por isso; é a minha base. Mas passou.
Isso ressoou em mim. Porque se tudo vem dessa linha temporal que montamos, se você só é quem é porque passou pelo que passou, e se os acontecimentos seguem essa linha, como explicar tudo isso? Por onde começar? Como começar? É tanta, tanta coisa. Como contar essa vida inteira durante poucas horas?
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A minha primeira grande crise da pandemia não foi o luto pela ilusão de controle, mas a falta de convívio com as pessoas. Logo nos primeiros meses, foi esse o meu grande drama. Eu nem sou uma pessoa muito extrovertida, na verdade, interagir com as pessoas sempre me cansou, mas quando veio o isolamento total, a primeira coisa que senti falta de verdade, a ponto de afetar meu humor, foi não me relacionar casualmente com os outros. Não poder esbarrar com conhecidos na rua, conversar rapidinho com alguém que você mal conhece, o que o pessoal acadêmico chama de conversa de corredor e que, depois de perdermos isso, reconhecemos que é onde as relações realmente se formam. É o dia a dia, as pequenas interações, aquilo que é pouca coisa mas que vai se somando até de repente ser uma grande amizade, uma paixão fervorosa, uma reca profunda, um amor pra vida toda, uma epifania.
Essas interações rápidas também faziam falta nas relações já estabelecidas, nas minhas amizades. Ninguém aguenta muito mais que duas horas ao telefone. E um telefonema de duas horas não é o mesmo que quatro horas em um café, muito menos num bar.
As conversas têm um tempo de preparo. Uma fermentação, um ritmo. Exige um ir e vir de assuntos, precisa de coragem, incentivo, respiro, descanso. Tem certas coisas que não se falam na lata. Não pelo outro, mas por si. Porque a gente ainda não tá pronto, precisa dar uma amaciada.
Eu não conseguia falar sobre o câncer da minha mãe assim. Oi, amiga, tudo bem? Não, eu vivo em medo constante que meus pais vão morrer e eu vou ficar sozinha pra sempre. Essa conversa não existe. Sem contar que era tanto tempo vivendo aquela realidade da doença que, quando eu tinha contato com qualquer outra pessoa, tudo o que eu queria era uma distração, qualquer coisa, não importava, eu só queria minutos que fossem sem ter que pensar na morte e na solidão. Eu só tinha uma hora. Uma única hora, uma unidade de hora. Eu precisava descansar. Porque chegou um ponto que meu mestrado virou meu descanso e, deixa eu dizer, fazer um mestrado é uma trabalheira enorme.
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Fui ficando mais quieta.
Eu falo muito, mas fui ficando mais quieta. Aprendendo mais ainda a não dizer as coisas. Pior ainda: a não ver motivo para falar. Eu até pensava nas coisas – continuei a ter minhas opiniões, minhas ideias, minhas muitas observações. Mas não tinha pra quê falar. Parecia um trabalho gigante e sem propósito.
Mesmo meses depois. Uns amigos dos meus pais nos visitaram na casa nova e eu simplesmente não conseguia dizer muito. Havia um cansaço da falta de exercício de interação humana por causa da pandemia, é claro, mas tinha também essa sensação de falta de propósito.
Era tanta coisa pra explicar. As referências que eles não conheciam, de onde elas vinham e o que significavam, como eu as havia processado, como juntar com o que realmente queria dizer. Era uma conversa, afinal de contas, eles mudariam de assunto, eles perguntariam outras coisas, interfeririam com coisas que não eram o meu ponto, coisas que eu não sabia se tinha energia pra desenvolver em conjunto. Desaprendi a conversar, ainda estou cansada, eu tô exausta. As coisas melhoraram muito, mas a recuperação é lenta e instável.
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Anotei essa palavra: instabilidade. Faz parte da base do meu objeto de pesquisa.
Existem outras palavras anotadas que vieram dessas conversas. Palavras que não têm tanto a ver com a minha pesquisa, mas que andam ressoando. Em vários cadernos, tenho anotado essa mesma palavra: transmutar. Um conceito tão escorpiano quanto a minha orientadora.
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Tudo o que vivi no último ano me parece incomunicável. E é difícil porque tudo me transformou, porque, como disse minha amiga, essas coisas são minha base, mas elas também passaram.
Minha mãe não está mais com câncer, meu pai voltou a conseguir abaixar (com dificuldade, é verdade), a gente mudou da casa em que vivemos por 20 anos, terminei o livro que estávamos lendo no grupo de leitura, a fase da pesquisa é outra, eu nem tô em São Paulo no momento. Muitas pessoas que conhecia e tinha um carinho enorme morreram, algumas nasceram e até aniversariaram.
É uma transmutação. É disfórico, pra dentro. As mudanças se dão na nossa interioridade. É algo imaterial mas extremamente sensível que se revira. E vem essa sensação de não existirem palavras o suficiente. Incomunicável.
E se é incomunicável, a gente não consegue compartilhar. É essa parte profunda que temos e que é nossa, nossa interioridade, nosso eu nem sei o quê. Mas é de cada um e só de cada um. Essa solidão.
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Meu psiquiatra me disse que me ouvir falar sobre essa solidão e incomunicabilidade parecia ouvir uma psicanalista falando sobre solidão. Achei meio cômico com um tempero azedo, me deu certo orgulho também. Mas ficou comigo.
No mesmo dia, outras duas pessoas, por acaso, comentaram comigo que têm se sentido assim, solitárias. Foi quando pensei que talvez fosse hora de encarar escrever sobre o assunto. Porque, talvez, essa não fosse uma questão tão pessoal assim. E, talvez, essa também seja só mais uma das tantas consequências enfadonhas da pandemia. Não a sensação de solidão durante o isolamento, mas esse momento seguinte pelo qual estamos passando, em que todos nós vivemos coisas demais que tivemos que processar sozinhos e que nos transformaram a ponto de que já (e/ ou ainda) não conseguimos falar. Estamos todos incomunicáveis.
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As mudanças que vivi me transformaram da mesma forma que as mudanças que cada amigo meu viveu também transformou cada um. E isso mudou nossos gostos, interesses, nossas dúvidas e questões. Nossas referências mudaram, cresceu a lista de referências bibliográficas que não conhecemos uns dos outros. De certa forma, somos agora outras pessoas e isso não é um problema. Mas não nos conhecemos. Em um áudio segurando meu choro, disse a uma amiga: sinto que não te conheço e que você não me conhece. Mas queremos nos conhecer. Precisamos disso.
Mas, para nos conhecermos, precisamos falar, ouvir, conversar. Precisamos nos abrir. E isso dá trabalho. Mas isso também faz parte de sermos felizes. E, como minha mãe me ensinou, esse é um esforço que vale a pena.
Seja feliz, seja estranhe
Bjoks com muito carinho,
Clara