🚀 Olá, astronautas! 🚀
Umas semanas atrás fui à livraria e vi um livro com a capa feia. Ele estava disposto na quina da mesa principal; num mar de tantas capas feitas para serem Bonitas e aparentarem interessantes, o livro da capa feia me chamou atenção. A capa é um marrom claro, como se fosse um papel muito velho, e tem duas flores, uma vermelha na parte de cima e outra azul na parte debaixo, bem grandes. Pinga uma gota de tinta vermelha da flor de cima e, equilibrando os tons, tem também uma faixa vermelha na parte inferior da imagem. Tudo é em um traço bem tradicional japonês, o que, numa primeira olhada, me pareceu ter um quê de orientalismo esquisito ao ver o nome japonês do autor na capa, mas eu também não sabia nada do livro, do autor ou do processo editorial daquela edição. Só vi a capa e achei feia.
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Esse livro estava disposto em uma mesa de uma livraria de São Paulo, claro. Aqui em Cambury só tem uma única livraria bem pequena, onde a metade das estantes é preenchida por brinquedos. Não é uma seleção tão horrível quanto a maioria das livrarias de praia – na verdade, me surpreendi com alguns livros de filósofos anti-capitalistas e uma prateleira inteira dedicada à teoria feminista. Mas a livraria de Cambury não satisfaz o desejo de Ir Na Livraria. O cheiro, as cores, a disposição dos livros e a frequência de novidades não é a mesma de uma livraria das capitais, e sinto falta dessas coisas. É por isso que sempre que vou a São Paulo tiro um tempo pra matar a saudade de uma boa livraria e correr meus dedos e olhos pelas estantes e mesas cheias de livros sendo exibidos.
As livrarias onde vou em São Paulo têm um ar acolhedor, mesmo quando é a Livraria da Vila, ou mesmo a Cultura do Conjunto Nacional. Em partes, é uma certa construção material de um ethos (as estantes e mesa de madeira e uma iluminação menos agressiva, por exemplo), mas tem também um quê de lugares que conheço e desconheço. Lugares que mudam com a chegada de novos livros. No entanto, numa das últimas vezes que fui a uma dessas livrarias tudo me pareceu extremamente triste. As estantes tinham menos livros, os livros em destaque pareciam sempre os mesmos, a seção de poesia praticamente sumiu.
Minha mãe me chamou atenção: Você já reparou que todo livro agora têm uma capa toda bonitona, mas quando você vai ler todos são meio chatos?
De repente, dei um passo pra trás e olhei tudo em volta. Minha mãe tinha razão. Todas as capas eram bonitas demais. Nenhuma parecia abrir para uma história interessante.
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Quando saí de São Paulo, em dezembro do ano passado, a ideia era voltar em 3 meses. Mas fim de ano e obra são duas coisas diametralmente opostas e, quase 8 meses depois, continuo aqui no meio do mato em Cambury. Quando vim pra cá, sabia que seria uma experiência que me faria bem, mas não sabia que faria o bem que realmente me fez.
São Paulo estava me enlouquecendo. Fiquei tão sensível ao barulho dos carros e motos que, mesmo depois de tanto tempo metida no meio do mato, ainda tenho um pouco de nervoso quando escuto um carro passando pela estrada de terra aqui perto. Pra deixar claro, moro numa rua com nome e endereço e outras pessoas também moram aqui. É só que as casas são escondidas entre as plantas. E a maioria das pessoas anda a pé ou de bicicleta. Mas tem um ponto de ônibus aqui na esquina. Ele só demora muito, muito, muito tempo pra passar. Quando minha amiga Lulu estava aqui, ri da cara dela porque ela achou que as pessoas estavam ressignificando o ponto de ônibus como espaço de encontro em vez de esperando eternamente o ônibus. Mas voltemos a São Paulo por um momento.
São Paulo não estava só me enlouquecendo, mas também me deprimindo. Depois de tanto tempo isolada em casa, voltar a ver a cidade foi assustador. Tudo estava mais feio, mais sujo, mais fedido que antes. A cidade empobreceu de uma maneira violenta, hostil. Até o que era pra ser rico empobreceu. O concreto poluído dava a sensação de uma tristeza carrancuda, como se a cidade tivesse se resignado com sua própria hostilidade.
Eu caminhava pelas ruas me perguntando se São Paulo sempre tinha sido assim. Essa é uma cidade que sempre foi hostil, eu sei, eu vivi isso também, mas antes tinha algo a mais. A cidade vibrava, era elétrica, às vezes parecia estrelinha de fogos de artifício, se queimando rápido e estridente, mas bonita. Claro, havia uma melancolia bêbada, mas pra chegar nesse estado tinha toda festa antes, o melodrama.
No entanto, andar pela cidade pós-pandêmica era como andar numa zona de guerra, só posso imaginar. Era macambúzio, sorumbático. São Paulo ficou sisuda, com um ódio endurecido, fossilizado. Mesmo depois de tanto tempo no mato, não consigo ver o que via antes na cidade. Na verdade, não ter uma casa onde posso ficar assim tranquila e confortável só faz a cidade parecer ainda pior.
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Como é que eu podia ter amado São Paulo? Como é que eu podia ter olhado pra todo aquele cinza e ter achado bonito? Vejo fotos do Minhocão ou Daquele grafite perto da Pinacoteca nos perfis de amigas minhas que saem para passear e duvido do que aconteceu comigo durante a primeira parte dos meus 20 anos pra ter amado tudo isso. Duvido um pouco da sanidade mental das minhas amigas por essa causa. Será que a gente enlouqueceu? Será que é isso que São Paulo faz com as pessoas? Será que gostar dessa cidade era uma espécie de resposta traumática a ela? Todos esses pensamentos me deixavam triste. Mas nada me deixava mais triste do que a experiência física de estar ali no meio daquela hostilidade toda – vendo, ouvindo, sentindo o cheiro e o sabor daquela feiura.
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Notar todas as capas tão propositalmente Bonitas dos livros na livraria fez eu me sentir como sair na rua pela primeira vez depois que a pandemia estourou. Estar na livraria, de repente, me deu a sensação que tenho tido na maioria dos lugares urbanos, algo entre o deprimente e o sem graça. É uma espécie de pobreza energética, falta de alma. É a sensação que tenho sem nem sair de casa, só precisei ver as publicações e stories das minhas amigas curtindo o verão europeu, as séries coreanas, qualquer produção audiovisual estadunidense.
É uma sensação de uma padronização absoluta. Tudo se tornou igual. E toda essa massa padronizada é extremamente agradável.
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Minha pesquisa de mestrado surgiu de um incômodo muito pessoal quanto a fotografias de millennials feministas. Era um incômodo que tinha desde 2015-2016, mas foi só em 2018 que consegui organizar minhas questões para poder ir em busca de algumas respostas.
O recorte do corpus ainda era difícil de descrever, mas sempre que eu falava "ah, é tipo Petra Collins", as pessoas do meu círculo social entendiam. Tive que exercitar muito minha descrição dessas imagens. Elas todas têm muito cor-de-rosa, eu dizia, elas também usam muito amarelo e neon, eu continuava e quem não conhecia as imagens ficava visivelmente confuso. Eu jurava de pé junto: tem uma estética aí. Sabia que tinha, mas era difícil descrever o que naquelas imagens formava essa estética. A foto é lisa demais, é toda granulada. Às vezes, aquilo parecia imaterial, era só uma vibe.
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Me marcou muito uma newsletter em resposta ao texto do The Cut sobre o “vibe shift” que falava que essa mudança de astral era causada pela crise do capitalismo. Procurei esse texto enquanto escrevia essa newsletter, mas não o encontrei. O que lembro é que a pessoa dizia assim com todas as letras: agora, chamamos tudo de vibe porque somos socados com tanta informação que não conseguimos mais processar tudo. Então, tudo que nos resta é essa sensação de algo, mesmo que não consigamos descrever que algo é esse.
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Estar afastada das pessoas por tanto tempo fez com que me sentisse cada dia mais louca. Via amigues e conhecides postando as coisas de sempre no tuíter e no instagram e me perguntava se o problema era comigo. Baixei o TikTok por uma semana e minha sensação foi de sentir meus olhos e cérebro derretendo enquanto tentava treinar o algoritmo para os meus interesses. Desisti do app antes disso acontecer.
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É difícil saber por onde começar a explicar o meu problema. É toda a indústria musical, os impactos estéticos do TikTok, o hiato do BTS, as fotos das minhas amigas na Europa, conhecides tentando fama on-line, as segundas temporadas mal feitas de séries boas, a minha dissertação de mestrado. A raiz de tudo é a mesma, o capitalismo digital, mas é difícil saber por onde começar a puxar esse fio.
Talvez eu devesse começar com a Anna Vitória e o nosso reencontro depois de dois anos nos falando apenas mediadas por tecnologias de comunicação.
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Na última newsletter da AV – linda e tragicamente intitulada A internet não vai ser legal de novo – ela conta que a primeira coisa que perguntei pra ela quando ficamos sozinhas em pessoa pela primeira vez em dois anos foi qual era a brisa dela.
Depois de alguns segundos de silêncio, ela me respondeu: eu acho que nada mais tem aura. Na sua newsletter, ela elabora muito do que conversamos e não conversamos a respeito da falta de aura do mundo ao longo desses dias e, assim como tudo que nós duas escrevemos nas nossas newsletters, esse texto que vocês estão lendo agora mesmo faz parte das nossas conversas intermináveis – as privadas e as públicas, ou qualquer versão próxima disso numa era em que nada é exatamente privado (olá, empresas que estão usando tudo que escrevo aqui pra angariar informações sobre mim e me vender produtos!) nem é exatamente público (olá, jornalistas que me tiram do sério chamando redes sociais de "novo espaço público" quando não podemos considerar nada que cobra dinheiro e senha de público!).
O que a Anna Vitória não contou porque não servia à estrutura narrativa do seu texto, mas que conto aqui, porque serve à estrutura narrativa do meu, é que ao longo dos dias que ela passou aqui no mato, saímos para caminhadas bucólicas e praianas em que voltamos muitas vezes a esse mesmo problema, que até então eu estava chamando de crise total.
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A ideia de “crise total” é porque dá muita preguiça de dizer “crise ética, estética, política, climática, sanitária e todas as outras proparoxítonas que você pode imaginar”. E falar de uma é falar de todas as outras, então assim fica mais curto, por mais que também fique bem mais dramático. Se bem que também dá pra argumentar que é dramático mesmo (outra proparoxítona).
Conversei sobre o assunto com muitas pessoas nesse primeiro semestre de 2022. E, apesar de eu pensar nisso quase o tempo todo, quase todas as vezes quem trouxe o assunto foram meus interlocutores. Foi a AV falando que nada tem aura, a Sofi falando do cansaço visual, a Laura sentada do meu lado no sofá dizendo: ai, amiga, eu não aguento mais ver coisa velha. Nesse dia, a gente concordou: tudo parece velho. Tudo é feio. E o pouco que não é feio, é velho, antigo, a gente já viu. Penso nisso quando vejo as fotografias da turnê da Lorde, os desfiles de moda de haute couture, todas as contas de instagram que sigo, os livros nas mesas principais das livrarias.
É tudo feio, e o que é bonito é velho. Tudo eu já vi. E por mais que esteja me sentido muito solitária na minha crise, sei que não sou a única. Porque a crise total povoa todas as conversas que temos. Aqui, somos todas Mocinhas da Sally Rooney.
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Um dia, estava vendo o YouTube já meio tarde da noite e vi que o Thiago do Ora Thiago abriu perguntas pra um vídeo de perguntas e respostas. O zolpidem já estava começando a fazer efeito e acabei fazendo uma pergunta que ele respondeu no vídeo dele. Levei um susto quando minha amiga me enviou porque tinha esquecido que tinha feito isso (efeitos do zolpidem).
A pergunta que fiz foi sobre a crise estética – o que minha amiga @alienticia disse que achou a pergunta mais Clara Browne que eu poderia fazer. A resposta dele foi normal – existe um monopólio/ oligopólio de certas empresas e elas fazem tudo igual, mas tem muita coisa diferente por aí e nem tudo já foi feito etc. e tal. Nada me surpreendeu, mas também lembrei que, quando mandei a pergunta, talvez ele pudesse acrescentar algo a mais a isso. Mas ele não acrescentou. Tudo bem, ele deu o recado que muita gente precisa ouvir. Mas ainda assim fiquei um pouco frustrada. Estou cansada das pessoas me dizendo que existem outras opções sem dizer quais são. Estou cansada da sensação de que tudo eu já vi, tudo eu já sei.
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Minha amiga Barbie outro dia me disse que preciso ver Everything Everywhere All At Once, não porque vai me trazer algo novo, mas porque, de acordo com ela, a cultura pop finalmente chegou no meu nível de pensamento. Não vi o filme, mas fiquei feliz de ouvi-la dizer isso. Me deu vontade de ver o filme de um outro jeito.
Faz tempo que filmes da moda me decepcionam porque eles dizem coisas que já sei. Sinto falta de filmes, livros, músicas, pinturas – toda forma de arte, honestamente – que me fazem pensar. Tudo parece mais um eco de coisas que já sei ou pensei, pouco me instiga a refletir e contemplar.
Isso não me surpreende – faz parte do sistema da lógica digital da cibercultura imposta. Também sei que tem muita coisa já feita no mundo e que posso a recorrer a coisas antigas que serão novas pra mim. É o que tenho feito e tem dado certo. Mas também sinto falta daquela excitação de ouvir algo novo, algo que ninguém nunca antes ouviu ou viu ou o que quer que seja. Sinto falta da eletricidade da descoberta conjunta.
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Escrever minha dissertação tem sido difícil não só porque escrever (!) uma dissertação (!) é sempre difícil, mas também porque ela tem me feito voltar ao período de 2010-2016, que foram meus anos mais extremely on-line. Para escrever minha dissertação, preciso canalizar um momento histórico que foi também o auge da minha juventude. O fim do colégio, o início da faculdade, a Capitolina, as festas e os shows, os milhões experimentos on-line.
Lembro de quando vi as fotografias que agora pesquiso pela primeira vez e acha-las lindas, mas ao mesmo tempo ter uma certa raiva delas fazerem sucesso enquanto amigas minhas tão talentosas mal ganhavam curtidas em seus Tumblrs. Olhando para trás hoje, percebo o quanto do que penso agora já estava em mim dez anos antes, mas aforme.
No caso dessas fotografias, ainda hoje acho todas lindas. Tão lindas que me irritam. Até hoje, quando apresento meus powerpoints em aulas e webinários (ugh), dá pra ver o maravilhamento das pessoas por aquelas imagens. É impossível não gostar dessas fotos, e isso me causa um desconforto profundo. Desde os tempos da Rookie (rip) era assim. E só pude admitir isso em voz alta quando, muito tempo atrás, a Laura me confessou que a Petra Collins a irrita. Ela disse e eu lembro: é tudo bonito demais, eu não consigo confiar.
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A falta de confiança da Laura na beleza das fotos da Petra Collins me lembra a falta de confiança da minha mãe na beleza das capas dos livros nas mesas de destaques das livrarias. Me lembra o Han indignado com a arte contemporânea, dizendo que o problema do digital é que tudo se tornou pornográfico. Falta o erótico. Acho curioso que uma das suas grandes questões é que nada mais é belo porque nada mais é erótico.
O Han usa o sentido psicanalítico de erótico: algo que não se mostra por completo, uma sugestão, que deixa espaço para a imaginação do outro. Ele não explica exatamente isso, porque o Han não explica nada, mas depois de ler alguns livros dele, dá pra juntar as peças. Na primeira leitura, tem um quê de pegar na mão dele e confiar. E eu confiei.
Depois de ler mais coisas dele e tantos outros autores que falam sobre o digital, seus livros soam diferente. Ficou mais fácil, algumas coisas quase óbvias. Outras são mais criticáveis do que antes. Ainda assim, seus livros estão em minha estante marcados com post-its codificados por cores e uma porrada de comentários do começo ao fim. Em uma releitura conjunta de No Enxame, marquei a passagem em que ele fala que:
"a fotografia digital coloca a verdade da fotografia radicalmente em questão. [...] Nela não está contida nenhuma referência ao real. [...] O real existe nela apenas sob a forma da citação e do fragmento. As citações do real são referidas umas às outras e misturadas com o imaginário. Assim, a hiperfotografia abre um espaço autorreferencial, hiper-real, que está completamente desacoplado do referente.”
Ao reler esse trecho, o que fiquei me perguntando é que, ué?!, e isso não é toda arte contemporânea?! Sei que o Han não gosta muito dos contemporâneos. No começo de A Salvação do Belo, ele dedica um capítulo inteiro pra falar mal do Jeff Koons (o que é muito engraçado porque ele fornece para nós a maravilhosa expressão "vontade de chupar"). Tendências conservadoras esquisitas dele à parte, sua grande questão nesse livro é que nada mais tem aura. Vocês talvez tenham lido isso em outro lugar. Walter Benjamin (que o Han chama nominalmente pra briga de faca) ou Anna Vitória Rocha (que, infelizmente, o Han não conhece).
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Acho curiosa a briga do Han com a arte contemporânea porque fui criada por um pai que ama muito esse período artístico (dentre muitos, muitos outros; ainda me lembro do dia que ele proferiu: "eu gosto de muita coisa, eu roubaria um museu"). Também acho curioso porque, agora, a gente ~como sociedade~, tá na finalmente no ponto de poder começar a falar mal da arte contemporânea. Penso muito na minha amiga Barbie batendo o pé e perguntando: qual é o problema de ter tradições? Por que tudo tem que ser revolucionário? Por que as coisas só não podem ser... boas? E bonitas?
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A resposta chata que tenho pra dar é que é por causa do Modernismo. Depois que o Modernismo se institucionalizou (o que já é uma treta por si só), ficou meio que combinado no mundo das artes que a gente ia começar a ver tudo a partir das rupturas. Mas depois que você rompe com a própria definição de arte, sobra pouca coisa para romper. Então veio a arte contemporânea brigando consigo mesma e fazendo a crise ser permanente. É a crise da crise da crise. E daí chegou a gente com os refri, rapaziada.
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O Thiago do Ora Thiago tuitou ou trecho do vídeo em que ele responde a minha pergunta dizendo “não porque a crise estética”, o que me fez rir bastante. Acho que, no mundo das artes, se fala de crise estética há uns 50 anos pelo menos. Mas ela entrou na roda de conversa semi-pública desde 2016-2018. É que a coisa tem piorado.
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A crise é ética e estética etc. e tal. Até escrevi um post no instagram sobre isso. Nunca leio legenda do instagram, mas, esses dias, por algum motivo, me veio essa vontade enorme de escrever textão por lá. Em partes porque acredito piamente que ninguém lê. Acho que tenho precisado jogar uns pensamentos soltos por aí sabendo que ninguém vai interagir comigo. Ainda não sei muito bem o motivo, mas tenho elaborado sobre isso. Talvez escreva sobre isso no instagram, pra ninguém ler. Talvez mande uma newsletter, talvez fique só pra mim no meu diário.
O que tenho pra dizer sobre isso agora é que existe algo que não acredito que seja pessoal quanto à minha relação com o instagram e o que comecei a fazer agora. O instagram é uma rede que está caindo em desuso (recomendo Garbage Day para mais do assunto). Ela nem é mais uma rede social, mas um grande ponto de venda. Quem tá lá e posta é gente que tem algo a vender – um produto, um estilo de vida, a alma provavelmente. E toda essa gente tá ficando velha. Os jovens estão no TikTok, Twich, Discord, é outra história. O instagram tem se tornado o facebook dos millennials, um cemitério estranho de autoimportância, cheio de carcaças que usamos pra tentar alimentar o ego. Ninguém gosta de lá. Todos estão cansados. E todos em algum momento nos revoltamos porque algo em nós nos obriga a estar ali naquele espaço on-line construído por uma empresa que claramente odeia seus usuários. É por causa do trabalho, não quero perder contato com certas pessoas, é vício, facilidade de comprar de lojas alternativas... Cada um tem seus motivos para se manter no instagram, eles são sempre iguais.
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Um tempo atrás perguntei pra Sofia ao telefone qual era a atual relação dela com redes sociais. Queria perguntar isso a ela fazia muito tempo, mas de algum jeito aquilo parecia pessoal demais. Tão pessoal quando, no ponto de ônibus, perguntei pra Jumed qual era a fantasia que ela tinha com o Harry Styles, como ela imaginava conhecê-lo e criar qualquer que fosse a relação com ele. Não pensei o suficiente por que essas duas coisas pareciam iguais. Talvez porque fosse um segredo meu, e perguntar a outra pessoa era ter que compartilhar o segredo com ela. Mas o que aconteceu com a Sofia foi o mesmo que aconteceu com a Jumed, as respostas não eram tão diferentes assim.
Na verdade, a Sofi me respondeu o que eu esperava que ela me respondesse, que existe um cansaço geral. Alguns dias depois perguntei algo parecido no tuíter e todas as respostas foram mais ou menos iguais. Óbvio, existe o fator pandemia nesse cansaço todo, mas a real é que essa crise vem de muito antes. Na minha vivência, consigo traçar de volta até 2016, mas na minha pesquisa percebi que isso sempre esteve aí. Voltando à comparação com as fantasias com famosos, é um pouco o que minha amiga Laura falou comigo esses dias depois de contarmos das nossas vidas paralelas imaginárias: talvez todo mundo tenha isso e a gente só não saiba.
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A crise estética tem aumentado. Antes ela era mais perceptível visualmente. Agora é diferente. É mais do que imagens e roupas. Ela tá nos sabores, cheiros, texturas, sons. A crise é estética em um sentido filosófico, a beleza sensível, a ciência do belo. É uma crise de criatividade, de monopólio cultural e capital, é uma crise total. Ela fere meus olhos e fere meus ouvidos.
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Caminhando um dia pelo mato com a minha mãe, disse a ela que não conseguia me ver me esforçando pra ir em um festival de música simplesmente porque não gosto mais de nenhuma música. Na conversa, ela falou que era culpa dos algoritmos. É verdade. Mas ando tão cansada de como essa conversa tem se dado que me dá vontade de tirar uma soneca agora só de pensar que, puts, vou ter que escrever sobre algoritmos.
A primeira coisa que me incomoda é que a gente fala assim, ~os algoritmos~, mas não tenho muita certeza se as pessoas entendem de verdade do que falamos quando falamos de algoritmos. Eu mesma não sabia exatamente até fazer uma matéria sobre arte e tecnologia em que discutimos muito minuciosamente termos relacionados ao ~digital (outro termo bem vago, mas a gente vai ficar com esse por enquanto).
A gente fala dos algoritmos como se eles fossem uma força quase divina, algo que pode ser bom ou ruim, mas que nós, reles mortais, não temos como mudar. No entanto, os algoritmos não passam de uma série de códigos criados por outros humanos. É um grupo de pessoas que chega e fala: poxa, e se a gente decidir estruturar isso aqui de um outro jeito? E se a gente recolher essas informações das pessoas e usá-las para criar uma métrica que ajuda a nossa empresa? E a gente cai nessa toda vez. E fica usando essas palavras que não sabemos mais o que significam: dados, métricas, algoritmos, digital, conteúdo.
Eu queria chegar aqui pra vocês e fazer uma espécie de dicionário. Dizer: olha, galera, é disso aqui que estamos falando. Mas imagina que texto chato. Meu cérebro fica mais cansado só de pensar nisso.
Ao mesmo tempo, sempre ecoa o que um dos professores da matéria de arte e tecnologia nos disse em aula: digital vem de dígito, dedo, a parte do nosso corpo que está separada. O digital não tem continuidade, não é à toa que venceu a linguagem binária: 0 e 1, excluindo todos os infinitos que conectam esses dois números. Pra mim, muito se explica só com isso. É como se a nossa cultura tivesse elevado essa falta de conexão à potência máxima. Temos milhões de informações e imagens (que são também informações) sendo socadas goela abaixo e simplesmente não conseguimos processar nada disso. Dizemos a nós mesmos: tá tudo aqui. Mas não tá. A gente sabe que não tá. Porque informação não é conhecimento, não tem linha narrativa, não tem conexão. Mas é impossível conectar tudo o que nos é dado. É coisa demais.
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Por isso a exaustão. Por isso a sensação de emburrecimento. Por isso paramos de conseguir explicar o que está acontecendo e chamamos tudo de vibe. Por isso venho aqui e separo esses parágrafos com asteriscos.
É difícil continuar.
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Ressignifico a obra da Regina Parra, aquela que ficou no Largo da Batata:
É preciso continuar
Não posso continuar
É preciso continuar
Vou continuar
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No livro Políticas da Imagem – Vigilância e Resistência na Dadosfera, a Giselle Beiguelman trata muito sobre esse olhar padronizado pelos dispositivos digitais. Ela fala sobre formas de ver:
“Alteram-se com a digitalização da cultura e da ubiquidade das redes, os processos de distribuição de imagem e as formas de ver. Cada vez mais mediados por diferentes dispositivos simultâneos, esses regimes emergentes consolidaram novos modos de criar, de olhar e também de ser visto. Ambivalente, a nova cultura visual que se instaura com as redes oscila entre polos contraditórios. Nela estão contidas possibilidades de democratização do acesso ao audiovisual, novos regimes estéticos, superexposição, vigilância e formatos inéditos de padronização (da imagem e do olhar).”
É essa padronização que tem me esgarçado. Já não consigo mais ver.
O Han fala de fechar os olhos. A primeira vez que o li falando disso, fiquei com essa consciência insuportável de estar de olhos abertos. Fechar os olhos se tornou algo diferente desde então. E nem é isso que ele fala, mas fechar os olhos tem um quê de uma outra reconexão comigo mesma e com o mundo. Algo que não passa pelo imediato da visualidade, mas pela possibilidade de contemplar o que já vi. Foi lendo o Han que percebi que sentia falta disso, da contemplação. A sensação que tive ao entrar na sala das Ninfeias no D’Orsay ou de quando estou em frente ao mar vendo as ondas irem e voltarem sempre diferentes. Pensando agora, essas são situações em que posso ver de outras formas. Posso mudar de posição, de perspectiva.
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Escrevendo essa newsletter no sofá da casa dos meus pais, paro de vez em quando para observar os traços das folhas de cacau misturadas com o bambuzal enquanto o sol amarela tudo em volta. Os passarinhos cantam cantos diferentes, formam uma música esquisita, a sinfonia contemporânea mais antiga do mundo. Meu calcanhar está inchado de tantas picadas de mosquito que levei quando saí pra caminhar com a Léia.
O mato tem seus problemas. Além dos mosquitos e insetos no geral, tudo aqui mofa por causa da umidade. Nada seca. Livros e cadernos enrugam em questão de dias. O correio raramente chega. As encomendas costumam ser deixadas numa pizzaria que fica a 20 minutos de caminhada da casa onde moramos. Depois da chuva, é tanto barro que tem vezes que nem dá pra atravessar parte da estrada sem afundar o pé numa poça enorme de lama. Agora, já tenho um tênis eleito pra estar sempre sujo. Ele me lembra a vez que fui com o colégio pra Ilha do Cardoso e a escola pediu que levássemos uma roupa meio podre que jogaríamos fora depois de entrar no manguezal, o que incluía também um tênis velho.
Sinto falta de poucas coisas. A maioria é bem idiota, como bebidas cor-de-rosa. Me sinto ridícula por sentir tanta falta de delivery, mas sinto. Depois de dois anos de pandemia sem viver a cidade direito, acho que comida por delivery é a única coisa de São Paulo que sinto que perdi. Os museus, as galerias, os parques, os cafés, eu já não tinha nada disso. Além do mais, todos são substituíveis pela vista, pela beleza viva ao meu redor. Mas nada substitui o frango agridoce que chegava em uma hora. Mas as reclamações duram pouco tempo. Chego na praia mais rápido do que chegava o cookie triplo chocolate que pedia nos dias difíceis. E o bem-estar da praia dura bem mais do que o bem-estar de um cookie.
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Aqui, todos os problemas diminuem quando olho em volta. Porque é bonito. É desesperador de bonito. É bonito de manhã, de tarde, de noite. É bonito quando o sol nasce bem na frente da minha janela colorindo o céu com tanta intensidade que ele nem é rosa, mas puro vermelho. É bonito quando o sol vai se pondo por trás das nuvens e o céu vai do dourado ao lilás. É bonito quando a lua fica bem em cima das nossas cabeças e ilumina a floresta inteira como se fosse um holofote frio. É bonito quando a chuva transforma o verde em prateado. É bonito quando as nuvens tomam o topo da montanha a ponto que já não dá pra diferenciar o que é terra e o que é ar.
Depois dos dias de chuva, gosto de caminhar pela estrada enlameada e ver o quanto a floresta mudou. As folhas, bambus e árvores inteiras que caíram, o chão que se desloca, os novos desenhos que a floresta forma. Depois de alguns dias de sol, gosto de fazer o mesmo caminho e ver as novas flores que abriram, as folhas que queimaram, a poeira que levantou. A vida se movimenta.
Costumo ir com a Léia até o rio atrás de casa. Ela sempre desesperada pra entrar e nadar e eu dizendo que vamos voltar num dia de sol quando ela estiver mais fedida. Prometo ter hipotermia por você, falo pra ela toda vez que ela se recusa a continuar a caminhada porque não vamos entrar na água. Nos domingos de sol quente – e é sempre domingo, nunca sábado –, ouvimos daqui de casa os gritos e risadas das crianças nadando e as broncas que levam das suas mães.
Nossa casa fica a uns 15 minutos de carro da praia. Costumo ir nas manhãs ou fins de tarde de sol com a minha mãe e nas manhãs de nubladas com meu pai, que diz preferir o mormaço por causa da careca. Caminhamos pela areia papeando sobre coisas pelas quais estamos passando e pensando. Toda vez eu me permito distrair porque, cacete, olha esse lugar, olha como é lindo.
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Uma das primeiras newsletters que fez sucesso por aqui foi quando implorei: o mundo tá falido mas plmdds não vamos voltar a escrever poemas simbolistas. Era o segundo semestre de 2016 e não tinha dado um mês do golpe. Engraçado falar assim, né?, como se não fosse nada: foi na época do golpe. Nesses tempos, um golpe de Estado era a pior coisa que podia acontecer, a ponto de ser inacreditável mesmo que diante dos nossos olhos. Parecia loucura, insanidade, algo que ninguém podia prever. Um golpe de Estado estava fora do nosso horizonte a ponto que demorou pras pessoas chamarem assim. Na época, era uma palavra mais pomposa, impeachment, e parecia algo totalmente fora da realidade. Era diferente de como falamos hoje em dia. Não estávamos preparados, não tínhamos medo porque estávamos em choque.
Enfim. Não tinha dado um mês do golpe e eu estava cursando uma disciplina de teoria literária sobre Paul Valéry. Toda semana, eu estava naquela mesma sala no fim do corredor no prédio da Letras das 21h às 23h. A luz era branca, mas a parede amarela suavizava a visão. No ano que entrei na faculdade, 2012, dez anos atrás, ouvi uma professora que só fui ter no último semestre da minha graduação dizendo puta num microfone velho que nós não queremos as paredes pintadas amarelinho-pintinho-da-granja-do-Rodas, que era o reitor na época. Eu pensava nisso toda vez que via aquelas paredes, o que diminuía a frequência a cada semestre que se passava.
Eu odiava literatura francesa e, a cada aula, odiava mais o Paul Valéry. Estava naquela matéria porque precisava de créditos pra me formar e tinha colocado na cabeça que cursaria todas as matérias do departamento de Teoria Literária, o que de fato fiz. Apesar de sempre passar raiva, eu estava na terceira fileira daquela sala toda semana, sentada ao lado da minha amiga Milena, nós duas mal-humoradas reclamando do Valéry e todo o movimento simbolista. Havia algo naquelas aulas que me fazia voltar. Não era só o professor que era muito bom, era também um desespero pra entender o que raios estava acontecendo com a gente. Porque, na verdade, a disciplina era sobre a poesia em tempos de crise. Estar naquela aula era toda semana tirar duas horas pra falar do golpe de Estado que estávamos vivendo, do que aquilo significava, qual era o nosso papel como sujeitos históricos e o que a arte tinha a ver com tudo isso. Eu não li nenhum texto que constava na bibliografia (o que, em minha defesa, era em grande maioria em francês), mas aquela matéria me marcou como poucas durante minha graduação.
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Quem acompanhou minha newsletter nessa época talvez se lembre que, no final daquele ano de 2016, cheguei à conclusão que o Valéry estava certo. Foi um grande momento de Desenvolvimento de Personagem pra mim. Quem diria! Logo eu, que fui fazer sucesso falando mal do Paul Valéry, estava poucos meses depois concluindo que, puts, e não é que o maluco tinha alguma razão? Mas plmdds não vamos voltar a escrever poemas simbolistas.
Muito se passou de lá pra cá. São quase 6 anos, afinal de contas. Mas vira e mexe lembro dessa matéria. Não consigo recordar de quase nada do que falamos, mas algumas coisas são extremamente vívidas pra mim. Lembro do toque do ombro da Milena quando apoiava minha cabeça nele durante a aula. O desenho de oroboro que fiz na xerox com o poema "Esboço de uma serpente". O professor animado, quase dando um pulinho, quando exclamou que “mas é isso que o Valéry dizia!” quando estávamos falando sobre o golpe contra a Dilma. A escuridão da noite do lado de fora que tomava parte da sala de aula. São memórias sensoriais que ficaram em mim e que associo diretamente ao desespero de viver uma crise política. Tinha um cansaço, um tédio e uma ansiedade profunda. Todas coisas que continuo sentindo, mas agora acentuadas de outra maneira.
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No nosso almejado reencontro, eu e Anna Vitória caminhamos pelo mato e pela praia. Ela me disse que me via como uma mocinha da Jane Austen, caminhando pelo mato enlameado elaborando sobre literatura, estética e sentimentos. Ela disse que eu estava na minha temporada em Bath, o que me fez rir bastante, porque o nosso mato é muito, muito diferente do mato inglês.
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Quando vi em pessoa o que é o mato e a praia britânica foi um susto. Ah! Então é real. Então, os filmes não mentem pra gente. A vida é assim em algum lugar do mundo. Um inglês amigo meu deu risada: e como você achou que fosse?
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Pra mim, a vida sempre foi desorganizada. Os acontecimentos são aleatórios e se impõem mudando a rota das nossas expectativas. Tem dias que é destruidor, outros que é fomentador. Mas sempre, sempre é transformador.
Eu não sabia que alguém podia não pensar assim. Que alguém podia ver a vida organizada. Eu nasci no Rio de Janeiro, organização não faz parte do vocabulário carioca. Até me deparar com aquele cenário de filme gringo na minha frente, eu só achava que era assim mesmo, que os filmes eram de um jeito e a vida real de outro. Me lembra uma entrevista que o Josh Thomas meio que fala a mesma coisa, que quando ele se mudou pra Los Angeles, ele percebeu que o audiovisual estadunidense é Daquele Jeito porque a vida lá é Daquele Jeito. E, nessas horas, eu não consigo deixar de pensar que, puts, deve ser horrível ser gringo.
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Uma das primeiras chuvas do ano derrubou um galho de uma árvore em frente de casa. O galho torto se equilibrou no cipó de outra árvore e lá permaneceu durante toda a chuva. Achei que viria algum vento forte e o derrubaria, mas isso nunca aconteceu. O galho continuou ali equilibrado entre sol e nuvem, vento e chuva, até que o cipó foi o amarrando. Pouco a pouco, o galho se tornou parte daquela outra árvore, ali pendurado, estável. Hoje, seis meses depois, são indissociáveis: árvore, galho, cipó, bromélias.
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Depois da primeira noite que meus pais dormiram na casa do mato, meu pai veio com os olhos grandes e brilhantes contar de como foi ver aquela massa verde. Ele disse: a floresta é um ser único, ela respira e se movimenta junto.
Ele vai ler isso e dizer que não foi essa a questão dele. Mas tudo bem. Achei graça do uso das palavras dele, de como ele tinha achado tudo impressionante e, ao mesmo tempo, de como se revelava a tendência hippie que sempre vi tanto no meu pai quanto na minha mãe e que, admito, me assustava um pouco se eles mudassem pro mato.
Mas as expectativas não se concretizaram. Meus pais não estão tão hippies assim. E eu, bom, eu estou me dando bem com os passarinhos e insetos, as rãs que às vezes aparecem no banheiro e os jacus que pousam a um metro de distância.
Vendo a massa verde bem na minha frente, entendo muitas coisas. Entendo porque o Impressionismo registra árvores como borrões. Entendo o que meu pai quis dizer: tudo é um único ser. E a gente também faz parte dele.
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Isso não é novidade. Muitas culturas indígenas afirmam isso há milênios. Mas quando moramos na cidade é tão fácil esquecer. Em São Paulo, preciso olhar para o céu sem estrelas pra me conectar com quem sou, o universo. Aqui no mato, a sensação é outra.
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Caminhando na praia com a Anna Vitória, me adiantei dois passos, abri meus braços e exclamei inconformada: olha isso!!! É uma beleza estrondosa e silenciosa. Me faz pensar na passagem de Flush - uma biografia, da Virginia Woolf: ”A beleza [...] então, não brotava em palavras, mas num arrebatamento silencioso”.
Disse à Anna Vitória: Esse é meu problema. Eu fico olhando tudo isso em volta, toda essa beleza, e me pergunto como capturar isso? Como colocar isso em palavras? Como colocar isso em palavras sem ser simbolista?
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Oito meses no mato não foram o suficiente para curar meus olhos da feiura do mundo. Ainda tenho acesso a ela, pelo computador, andando nas ruas. Parte de mim tem vontade de completar o processo de fugere urbem, apagar todas as minhas pegadas digitais, sumir do mapa. Outra parte se revolta com esse escapismo.
Olho em volta e olho pra dentro. Não sei o que fazer.
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Quando fui pra Ubatuba visitar meu amigo no ano passado, ele me falou do quanto São Paulo estava o deixando doente, de como voltar lá para visitar os pais e os amigos era estranho, é uma cidade feia. Concordei com ele com todo o meu coração, com meus dois olhos machucados do cinza do concreto e da fuligem das queimadas que chegava há tantos quilômetros de distância. Ao mesmo tempo, me distraía olhando a cidade onde estávamos. Os muros sem pintura, as casas descascadas, a falta de planejamento urbano. Pensei muitas vezes: como tudo é feio. Fiquei transtornada quando li Sally Rooney perguntando a mesma coisa no livro que tinha levado pra ler naquela viagem: Mas você às vezes vivencia uma versão diluída, personalizada, dessa sensação, como se a sua própria vida, seu próprio mundo, aos poucos mas perceptivelmente tivesse se tornado um lugar mais feio?
Mas nada disso é personalizado de verdade. A tristeza, a ansiedade, o desespero, a feiura, o cansaço e a exaustão, a raiva, a solidão. Nada disso é personalizado. Mas são todos sentimentos que parecem assim, só nossos, quando na verdade são de todos nós. E é fácil esquecer. É fácil se perder nos personagens das redes sociais, na nossa interpretação da pontuação do outro, no silêncio que instituímos a nós mesmos por causa do barulho do mundo. É fácil se sentir excluído, expulso. E tenho medo de engolir isso até virar concreto como São Paulo.
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Daqui algumas semanas, voltarei a morar em São Paulo e estou animada. Mas, às vezes, meu estômago se revira antecipando meus olhos ainda cansados. Penso muito no Itamar Assumpção. Penso nele dizendo em sua voz descolada e tranquila:
São Paulo é outra coisa
Não é exatamente amor
É identificação absoluta
Sou eu
Penso em sua voz áspera sussurrando em desespero: eu não me amo! Mas me persigo. O Itamar diz: bonita palavra. Penso nisso também. Perseguir. Verbo transitivo direto: 1. ir ao encalço de; correr atrás de. 2. importunar muitas vezes com pedidos, súplicas, reivindicações etc. 3. Seguir ou procurar alguém por toda a parte com frequência, insistência e falta de oportunidade.
Minha vida inteira achei que minha prioridade eram meus estudos e meu trabalho. Um dia, descobri que não era bem assim. Percebi que minha prioridade sempre foi eu mesma. Me entender, me descobrir, me inventar. Será que me persigo?
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Falo muito aqui de estética visual, mas, pra ser honesta, o que mais me pegou esse ano foi uma crise no meu gosto musical. Até 2020 mais ou menos, meu gosto podia ser muito bem resumido como Música Com Barulhinho. Qualquer gênero, honestamente, o importante era ter um barulhinho. Tipo Get Ur Freak On, da Missy Elliot, Vroom Vroom, da Charli XCX, o Santagustin inteiro, do Tom Zé, ou meu novo queridinho Lover's Tongue, do 이수호 (lê-se: i-su-rrô). Mas desde que a Charli fez aquele álbum horroroso que é só barulho de ansiedade na pandemia, o meu gosto por barulhinho foi mudando. E, hoje em dia, o que percebo é que preciso de músicas Bonitas.
O problema é que nenhuma música é Bonita hoje em dia. Tudo soa comercial no pior dos sentidos (não que ache que tenha um sentido bom, mas enfim). Falta o Fazer Artístico. Vale também pra filmes. E séries. E quadros. E, de repente, me vi no meio dessa crise gigantesca, me sentindo um Véio Crítico Branco (proj. Anna Vitória) que odeia os tempos atuais e acha que todos os jovens são burros e precisam ler os clássicos antes de começar a dar suas opiniões e tentar criar alguma coisa.
A Anna Vitória até tentou fazer uma playlist pra mim, pra eu descobrir músicas novas Bonitas, mas todas tinham guitarra, e eu sou uma mulher que estava na Passeata Contra a Guitarra Elétrica em 1967, ao lado de Gilberto Gil e Elis Regina. Conversando com a Livia, ela descobriu o mistério: eu não gosto da cena californiana dos anos 70, e, portanto, também não gosto de nada que tem raiz nisso. Depois dessa verdadeira Revelação, foi fácil entender o motivo. E suspeito que é o mesmo motivo do meu problema com as músicas atuais: elas não têm uma raiz ideológica.
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Dentre as muitas leituras da minha pesquisa, acho que nenhuma me deu um prazer tão grande quanto ler A Ideologia Californiana, do Barbrook e do Cameron. É um texto curto, anti-capitalista e com um humor cansado que só escritores de esquerda têm. A proposta deles nesse livro/ folheto é explicar como se formou o que eles chamam de Ideologia Californiana e quais os problemas de a adotarmos. Nas palavras deles:
“Esta nova fé emergiu de uma bizarra fusão da boemia cultural de São Francisco com as indústrias de alta tecnologia do Vale do Silício. Promovida em revistas, livros, programas de televisão, páginas da rede, grupos de notícias e conferências via Internet, a Ideologia Californiana promiscuamente combina o espírito desgarrado dos hippies e o zelo empreendedor dos yuppies. Este amálgama de opostos foi atingido através de uma profunda fé no potencial emancipador das novas tecnologias da informação. Na utopia digital, todos vão ser ligados e também ricos. Não surpreendentemente, esta visão otimista do futuro foi entusiasticamente abraçada por nerds de computador, estudantes desertores, capitalistas inovadores, ativistas sociais, acadêmicos ligados às últimas tendências, burocratas futuristas e políticos oportunistas por todos os EUA.”
(Na. Moral. Olha o pauzão metafórico que esses homens têm pra mandar essa!!!)
Em 1995, eles já estavam colocando com todas as letras todos os problemas da internet desde o seu surgimento (muito, mas MUITO melhor do que A Galáxia da Internet, do Castells) e soletrando pra quem precisasse: o p-r-o-b-l-e-m-a é o c-a-p-i-t-a-l-i-s-m-o. O último capítulo é europeu demais pro meu gosto, mas eles escrevem:
"O futuro digital será um híbrido de intervenção estatal, empreendedorismo capitalista e cultura faça-você-mesmo. Decisivamente, se o estado puder fomentar o desenvolvimento da hipermídia, ações conscientes poderiam também ser tomadas para evitar o surgimento do apartheid social entre 'ricos de informação' e os 'pobres de informação'".
Minha atual teoria (e em partes o que estou desenvolvendo na minha pesquisa) é que a Ideologia Californiana tomou tudo. Não só a internet. Ela tá em todos os lugares. E, bom, até aí também podemos argumentar que a diluição da separação entre on-line e off-line e a própria noção de digital contribuem pra isso. Mas não ponho minha mão no fogo nessa. Pelo menos, não até terminar minha pesquisa.
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Quando a Anna Vitória fala que a internet não vai ser legal de novo, penso nisso tudo. Penso em como a pesquisa dela, de certa forma, foi a maneira que ela encontrou de falar mal da internet. Penso em como a minha é a maneira que encontrei de fazer o mesmo.
O que era sobre estética e fotografia virou muito rápido uma pesquisa sobre a internet e o campo digital. Com as aulas da pós, grupos de estudo e leituras recomendadas, fui percebendo que o meu problema não era com as fotografias em si, mas sim com os meios (ou melhor, mídiuns, mas daí já vou ter que explicar coisa demais) onde elas circulam. O problema não é exatamente sociológico – embora tenha a ver com sociologia –, é mais uma questão discursiva e midiológica. É algo que está na base de toda transmissão da estética que estudo, o que, no fim das contas, é também discurso.
Explicar mais que isso seria escrever minha dissertação, o que é algo que claramente estou postergando e ensaiando ao escrever essa newsletter. Também seria um problema mandar um trecho do que já escrevi por aqui, porque daí não poderia publicá-la por se tornar um auto-plágio. Mas o que vou dizer nesse momento é que, da maneira com que a internet foi construída e se instaurou em nossa sociedade, nos tornamos todos reféns da ideologia californiana. É como se o chão fosse areia movediça engolindo nossas bases até chegar às nossas cabeças.
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Mas areia movediça de verdade verdadeira não nos engole por inteiro. É a areia da fronteira entre terra e água, a praia. Meus pés sendo lentamente embebidos pela areia molhada enquanto as ondas vão e voltam lambendo minhas pernas, formando novas manchas de espuma, levantando grãos dourados de areia como se fosse glitter no carnaval.
Se você ficar no ponto certo entre terra e água, o movimento do mar te dá uma vertigem. Mesmo que você sinta seus pés tão profundos que pareça impossível ser derrubada. As ondas criam novas linhas do horizonte que por vezes se cruzam mais perto ou mais longe, às vezes bem no encontro do corpo que sinto dourar com o sol.
O branco revoltado da espuma das ondas explode nas pedras pintando-as em tons impossíveis. Mais à direita ou mais à esquerda, não importa, mas lá está: o desenho incompreensível da floresta. A falta de padrão faz os olhos passearem, faz a gente dar um passo pra frente e um passo pra trás, nos deixa no mesmo lugar, te tira do chão. Um arrebatamento silencioso.
Nenhuma palavra faz jus a essa beleza. Nenhuma foto, nenhum vídeo, nenhuma pintura ou escultura ou sabe-se lá o quê. E ainda assim me sinto compelida a tentar, a sacar meu celular do bolso e tirar uma, duas, quinze, cinquenta, cem fotos. Filmo meus pés na areia, a espuma do mar. O rio que brota no fim do dia se torna preto reluzindo o sol, a montanha estoura num clarão inexistente. No caminho de volta, o sol bate laranja, vermelho e dourado. É tão poderoso que rompe as nuvens em rosas, seus raios brilhantes no ar, se exibindo a olho nu. O mato vai escondendo o céu em dégradé. À noite, já vi as cores das galáxias mais distantes bem em cima daqui de casa.
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As fotos não ficam feias. Minha mãe me pergunta como é que consigo capturar tão bem o céu. Mas vejo tudo na telinha do meu celular e nunca me satisfaço. Os pixels que formam aquela imagem não bastam. Eles não conseguem capturar os traços caóticos das árvores tortas e suas folhas caídas. A cor nunca está certa.
Eu já sabia de tudo isso, mas é diferente depois de tanto tempo, de tantas tentativas. Finalmente entendo porque tem tanto quadro de paisagem por aí, porque o Turner passou sua vida inteira tentando capturar um mísero pôr-do-sol.
Um dia, olhando as ondas batendo nas rochas na ponta da praia pensei: isso tudo é violento. Essa beleza é uma violência.
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Estava há tanto tempo pensando em como a feiura é violenta que esqueci que a beleza também o é. Passei semanas buscando alguma coisa na minha cabeça que pudesse diferenciar as duas. A resposta não veio de mim.
Numa reunião com a minha orientadora, ela usou essa palavra em nossa conversa, hostilidade. Na minha cabeça, pensei: é isso! Hostil! Essa era a palavra que estava buscando. É esse o meu problema com a feiura! Ela é hostil. A violência da beleza não é assim.
A beleza não te acolhe, mas te permite olhar, observar, descansar. A beleza te faz contemplar, silencia a mente. A feiura te obriga a ver, te cansa, faz barulho. Eu não aguento mais barulho. Eu não aguento mais ser obrigada a manter meus olhos abertos. Eu nem tenho mais olhos.
Esse é o problema, pensei. É esse o meu problema com quem há anos escolhe a feiura. Estão escolhendo a hostilidade.
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Faz uns meses que minha amiga Glênis postou um trecho de um livro de alguma feminista que começava dizendo que aquele livro era dedicado às feias. Respondi a ela brincando que, então, não era pra mim. Entramos numa conversa sobre a necessidade da beleza que acabou se estendendo por alguns telefonemas.
Pra mim, a pergunta de um segmento feminista (que era de onde a Glênis estava tirando a citação): por que temos que ser bonitas? se assemelha um pouco à pergunta da Barbie sobre arte: por que temos que ser revolucionários?. Parece um pouco esquisito colocar isso junto, porque tem um certo acordo de ver a Beleza como algo tradicional e, daí, a revolução seria o oposto. Mas tanto a Beleza quanto a Revolução são hegemônicas nas críticas de esquerda. São dois valores muito bem estabelecidos no campo da crítica, e questionar essas coisas é visto como algo menor, essa coisa de jovem que tá envolvido demais nas lutas identitárias, como se isso fosse algo ruim.
Muitas feministas que conheço entraram a fundo nesse questionamento sobre a beleza. Muitas decidiram se enfeiar de propósito. E, aqui, não estou falando de parar de se depilar, usar roupas grandes demais ou qualquer outra coisa que é relacionada à noção opressora e machista de beleza. Não estou falando de feminilidade e masculinidade. Estou falando de indivíduos que fizeram escolhas que enfeiaram seu corpo único. Falo aqui mais no estilo Syd Barret Raspando a Sobrancelha, não A Solidão Da Mulher Careca (se bem que muitas das mulheres carecas que conheço 100% rasparam a cabeça porque estavam com problemas emocionais e precisavam se enfeiar, sem ter nada a ver com a Estética de Ser Careca). Aconteceu com caras também. E pessoas nb. E todas as vezes que vi pessoas fazendo isso consigo mesmo percebia que essa era a resposta que encontraram para um mundo hostil: ser hostil de volta. E, ok, eu entendo. Mas, no fim das contas, elas só estavam sendo hostis consigo mesmas. E com seus pares. (Como eu, que só queria ver gente bonita.)
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Em um poema que enviei para vocês depois de voltar de Birmingham, escrevi:
A beleza é o conhecimento profundo
da própria realidade.
Acho que isso resume minha relação com o Belo™. Quando falo e penso em beleza, não penso em padronizar nada, muito pelo contrário. O que é mais bonito pra mim é quando consigo perceber que aquela pessoa ou aquela coisa está ali apenas Sendo. Com a consciência exata de quem ou o que se é naquele momento. Com a consciência de que isso também é mutável, que tudo é movimento.
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O movimento da vida não é captável. Essa é uma das nossas frustrações, um dos mil e um motivos que podem existir de ainda fazermos arte. Uma teimosia frustrante de tentar capturar aquilo que é só movimento. Inscrever a vida em um um estilo artístico, em algoritmos programados para traduzirem a luz de uma maneira e nunca de outra. Aquele quadradinho que você clica pra dar o foco, a padronização completa do nosso olhar.
Mas minha visão é maior do que aquela tela e ela passeia livre e sem foco e compõe com sons sabores sensações táteis cheiros. Ela se nega a sucumbir à hostilidade. Feche os olhos. Respire. Abra-os de novo.
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Na mesa de destaques da livraria em São Paulo, tudo era agradável de uma maneira hostil. Por tentar padronizar meu olhar, minhas formas de ver. É a mesma lógica da agradabilidade dos filtros de instagram que uso quando tiro fotos minhas e que vi minhas amigas usarem ao mostrar as paisagens e comidas europeias. A necessidade de ser tão agradável tira também a violência da beleza. Em massa, se torna uma hostilidade.
O livro da capa feia me chamou atenção por isso. Tinha algo de diferente naquela capa, algo que não via há muito tempo. Parecia uma capa sem intenção de nada além de ser uma capa de um livro. Ela não era propositalmente feia, não segue a Estética do Feio. Ela nem quer ser bonita porque simplesmente se acha bonita. Mas é feia. Isso só fez o título do livro se tornar ainda mais curioso: Beleza e Tristeza.
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Beleza e Tristeza foi escrito por Yasunari Kawabata originalmente publicado em 1964. O livro é meio que sobre o amor, as muitas maneiras de se amar romanticamente, e é regado de discussões sobre arte, tradição e sentimentos que se transformam com o tempo. Mas Kawabata não entrega nada. Temos parágrafos e mais parágrafos com a descrição do jardim de pedras do templo budista, então temos um capítulo inteiro de duas personagens discutindo arte tradicional e abstrata. Os personagens nunca falam o suficiente, nunca fazem o suficiente, mas falam e fazem mesmo assim. Tudo o que falam pode ser uma verdade profunda ou uma mentira deslavada, pode ser os dois. Enquanto de travessão em travessão, a leitora cansada que fui pode se perder no que cada um está falando.
Mas não faz tanta diferença intercambiar os locutores, pois eles mesmos concordam e discordam consigo mesmos. Eles mesmos não sabem exatamente suas certezas absolutas. Tem um aprendizado aí, mas o narrador também não diz.
O narrador, assim como os personagens, não explica muito. As coisas são o que elas são. Mesmo o tom do livro é de um silêncio que só pode acontecer em lugares grandes, abertos e claros. Como um jardim de pedras num templo budista no Japão. Talvez, a leitura mude por completo se um dia eu finalmente fizer essa viagem que tanto quero. Mas, agora, fiquemos com esse vazio esbranquiçado, esse silêncio que flutua as páginas e ecoa em nós.
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Ao terminar de ler o livro, cheguei à conclusão de que ele é erótico. Não só por causa das descrições dos amantes levando o dedo de uma à boca da outra, mas também porque Kawabata não mostra muito, ele não afirma nada, tudo é sugestão. E, por ser sugestão, desperta no leitor o interesse de saber mais, de olhar mais, escutar mais, de contemplar.
No dia seguinte, fui atualizar meu goodreads e apareceram aquelas cinco estrelas para eu preencher. Não soube escolher. O que eu tinha lido não se conformava a uma nota, a cinco estrelas em um site. Ele era o que era e precisava ecoar em mim.
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É no silêncio em que se ecoa. Os passarinhos e as cigarras cantam, o vento fazer a percussão nas folhas das árvores, um mosquito zune na minha orelha. Esses são os sons que têm composto meu silêncio. Eu queria que vocês também pudessem escutar.
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Procuro nas páginas cujas pontas dobrei um título para essa newsletter. Kawabata escreve:
O tempo passa vertiginosamente...
Lembro do mar, dos meus dedos tocando a água antes de eu fazer o sinal da cruz antes de pedir licença à Iemanjá., o salgado oceânico quando beijo meu próprio dedo indicador. A onda bate em meu joelho, aumenta com o vento. Olho os tantos horizontes formados pela espuma. A vida passa vertiginosamente.
Bjoks,
Clara