A Casa Vermelha
🚀 Olá, astronautas! 🚀
Escrevendo essa newsletter, me veio esse pensamento assim já pronto no meu tom de escrita: escrevo poemas porque a prosa não dá conta dos buracos da minha memória. E penso muito sobre isso, esses buracos. Penso muito que a memória é incomunicável e, talvez por isso, precisamos a compartilhar e repetir. Já faz uns bons quatro anos que escrevi um poema que resume muito da minha relação com essa minha necessidade de contar de tudo, de lembrar e de esquecer, ele é assim:
Eu queria contar
sobre como é estar aqui
como sempre foi viver aqui
debaixo do Cruzeiro do Sul
Eu queria contar das nuances
da casa vermelha
de mim
Palavras não são o suficiente
É preciso imagens
É preciso memória
clara e contaminada
As cores são precisas
vivas e brilhantes
Não basta descrições
Eu nunca soube descrever
nada
Eu nunca soube como contar
como é estar aqui
Tudo que sempre soube é ser
aqui
*
A gente morou na casa de portão vermelho em São Paulo praticamente desde que mudamos pra cidade. Meus pais são cariocas – ele da Glória, ela de Ipanema – e eu nasci no Rio – Laranjeiras –, mas nos mudamos para São Paulo quando eu tinha 5 anos. Fomos primeiro para um apartamento no segundo andar de um prédio verde cuja piscina ficava bem em cima da garagem, então nenhum adulto caía porque era fria demais. Mas eu, criança com pele de sapo, de acordo com a minha mãe, não tinha o menor problema com isso e pulava na água gritando "bomba" com meu maiô vermelho.
Vivemos uma vida típica de casal com criança em prédio, mas não ficamos lá por muito tempo. Pra ser honesta, lembro de pouca coisa, a maioria só pelas fotos. Eu odiava São Paulo. Eu tinha me prometido odiar o lugar em que moraríamos, a escola onde eu estudasse e os paulistas, óbvio. Eu tinha me prometido que nunca na minha vida perderia meu r puxado e meu s chiado. E você poderia ter certeza absoluta de que o dia que eu falasse "meô" seria apenas no dia de São Nunca. Porque isso nunca, jamais (jamé!!!) aconteceria. Eu nem conhecia a cidade, mas eu era carioca e, portanto, odiava tudo que era paulista.
*
Então, veio a casa vermelha. A casa era um sobrado geminado no então pacato bairro do Campo Belo. Quando chegamos lá, passava cavalo na nossa rua e nossa vizinha, Alzira, contou que, quando os filhos dela eram pequenos, as ruas eram todas de terra e eles passavam a tarde jogando bola ali na frente da casa. Isso já não acontecia mais lá. A rua já era pavimentada e quase nem tinha crianças na minha quadra, mas tudo bem, porque a Alzira deixava eu e meus amigos pularmos o muro pro quintal dela pra jogar vôlei usando o muro entre nossas casas de rede. Era só a gente não fazer isso no domingo, quando o marido dela gostava de escutar ópera em paz.
A Alzira era gente boa. A risada dela contagiava o vento nos dias de verão enquanto todas as mulheres aproveitavam o sol pra secar roupa no varal. Eu quebrei alguns vasos dela ao longo dos anos, ela nunca brigou comigo.
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A casa já tinha portão vermelho quando chegamos. Nós apenas o mantivemos. Era um charme, mas era também um bom ponto de referência, porque o número da casa sempre ficava escondido entre as plantas do jardim. A partir da minha pré adolescência, já no meu segundo colégio em São Paulo, meus amigos começaram a reconhecer a minha casa assim, a de portão vermelho. E isso ficou e ficou e ficou, até que já não era mais o portão. É a casa vermelha, né? É.
*
Fui me afeiçoando a São Paulo, à minha casa que era minha porque meus pais faziam ser nossa. Porque eu ajudava a escolher os quadros e onde ia ficar o sofá e minha mãe disse que eu podia escrever na minha porta, não tem problema, quando enjoar a gente raspa e pinta por cima. Eu pulava o muro dos vizinhos com facilidade, mas foi minha mãe teve que pular o portão porque tinha esquecido a chave pendurada na porta, e meu pai subiu em cima do muro bêbado todo de branco em um ano novo pra cantar alguma música com os dedinhos pra cima que nem quando a gente sacaneia gringo que não sabe sambar.
E quanto mais eu me afeiçoava a São Paulo e aprendia sobre a beleza da cidade – que era a beleza de crescer e me descobrir gente, a beleza de ter uma família amorosa e amigos amorosos, a beleza de poder exercer a minha individualidade e aprender a amar aos outros e a mim mesma, aprender a amar a vida e o espaço –, quanto mais gostava de São Paulo, mais difícil ficava lidar com o Rio. Porque eu tinha feio uma promessa a mim mesma. E ali estava eu descalça no concreto rosa desbotado brincando com meu pai e minha cachorra, Biba, nomeada em homenagem ao Castelo Rá-Tim-Bum. Lá estávamos com a minha mãe fazendo um almoço no quintal e contando dos amigos, das histórias, daquela vida que eu gostava. Ir ao Rio era ter que assumir que mudei. Eu quebrei minha promessa, eu gostava da minha vida. E eu não conseguia achar aquilo ruim, porque não era, porque era bom gostar da vida que eu tinha e de quem eu era. Mas o Rio ficava como essa sombra do passado e de um futuro que eu não tinha e, agora, nunca poderia ter.
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A separação do Rio sempre aparece nas minhas histórias porque ela foi a quebra de tudo. Foi quando me senti estrangeira pela primeira vez; em São Paulo, aprendi o que era bullying, o que era maldade, o que era não se encaixar. Isso aconteceria de qualquer jeito, é coisa da idade, mas aconteceu comigo logo com a mudança, foram coisas que se tornaram intrínsecas.
Essa separação foi também a separação da minha família. Quando me mudei, a família toda era do Rio. Meus tios, primos, minha avó, minha bisavó, todo mundo era de lá. Hoje, cada um está num canto, mas originalmente a grande concentração era ali, naquelas ruas cariocas as quais eu tinha vergonha de não saber os nomes assim com tanta naturalidade. Porque eu tinha mudado. E, porque eu tinha mudado, eu tinha também me afastado de todas aquelas pessoas que dividiam parte dos meus genes, que detinham todo o conhecimento dos baús das histórias que me fizeram existir no mundo. E por muito, muito tempo, eu queria herdar aquelas histórias porque as personagens delas eram fascinantes. Eram pessoas de carne e osso que eu via todas as férias de julho, mas aquilo não fazia sentido, porque elas eram todas tão, tão diferentes. Pra mim, as histórias de família eram como lendas que eu não entendia a magia, mas queria entender.
Então, todas as vezes que eu estava no apartamento da bisa Lalá, onde todos nos encontrávamos, eu prestava atenção. As relações entre mães e filhos, primos e irmãos. As histórias que aconteciam na cozinha, tão diferentes das que se passavam na sala. E eu corria pela casa com meus primos até que um adulto dizia: Toque piano para nós, Maria Eduarda, e eu e meu primo Manoel tínhamos que ficar quietos porque nossa prima Duda agora era Maria Eduarda de novo. E ela se sentava ao piano e tocava. Mas, na mesa, eu e o tio Pedro batucávamos ritmos incompatíveis com as cordas do piano e, pra ser honesta, eu já não sei se isso foi antes de ele enlouquecer, porque a linha do tempo não bate, mas essa é também uma linha do tempo cheia de buracos, feita por uma criança que não sabia fazer as perguntas certas para as pessoas certas. Uma criança que, por ser criança, não tinha palavras suficientes, mas que via sua família se deteriorando da mesma forma que via a cidade que foi sua cair aos pedaços.
O Rio de Janeiro era esse espelho d'água. Uma água suja, já escura, mas que ainda mostrava refletia o que se passava naquele apartamento na Visconde de Pirajá.
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Todas as histórias da minha família aconteceram ali, na Visconde de Pirajá. E foi só depois da minha bisa ter morrido e o apartamento ter sido vendido que entendi que a minha família era outra, era menor, mas era perfeita a seu modo. Era eu, meu pai e minha mãe, só nós três, ali na casa vermelha.
É claro que não perdemos contato com todos os parentes. Ainda passávamos os natais alternando entre a casa da minha avó em Teresópolis e a casa do meu avô em Natal. Minha mãe e meu tio se ligam todos os dias. E ela tem as suas primas. E minha prima Luiza morou por 9 meses com a gente em São Paulo antes de ela ir morar sozinha. E tem a tia Alice. E todas as festas que a Juju, filha da tia, deu naquele casarão na Arapanés.
Então, existiam outras pessoas, outras ruas, outras casas. E depois de muitas tardes de sol no quintal, de noites na rede, de festas em que ficávamos descalça, de chegar em casa de madrugada e ver logo ali em cima do telhado daquela casa vermelha o cruzeiro do sul brilhante – depois de muita vida, me perguntei se a casa vermelha seria como o apartamento na Visconde de Pirajá. E, em um poema não terminado, escrevi: faço da casa vermelha palco da minha mitologia.
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É essa a resposta, não é? A vida que acontece e se impõe com tanta força quanto a morte. A vida que precisou continuar mesmo depois da minha avó morrer no meio das férias de julho, ou da missa de sétimo dia da bisa Lalá, uma semana depois do meu aniversário, no dia que a Biba morreu, o mesmo dia que eu tinha que entregar um trabalho de matemática que valia 10% da nota final. A gente lembra de cada coisa. Mas é assim, é a vida que nos tira do eixo ao mesmo tempo que exige que voltemos a ele logo depois da morte. Ou mesmo enquanto ela está acontecendo.
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No primeiro ano da pandemia, eu pensava todos os dias na voz do Emicida dizendo que a vida sempre vence. O mundo do lado de fora tinha se tornado uma ameaça constante, mas ali dentro da casa vermelha a gente ainda conseguia colocar a música tocando e tomar um pouco de sol no quintal. O céu ficava azul, prata, preto, com raios e trovões, com a lua como holofote nas noites. Entre o ódio ao governo e o tédio profundo, existia esse segredo, a paz. A vida pacata e sem graça, mas que era vida e que continuava todos os dias, enquanto o feijão fervia na panela de pressão, a Léia (neta da Biba) dormia de barriga pra cima no corredor da entrada de casa, um de nós se largava no sofá se distraindo com o celular. Existia esse brilho muito específico de uma vida ali dentro que só podia existir porque a gente tinha construído aquele espaço ao longo de muitos anos de amor.
A minha memória desse primeiro ano pandêmico tem um brilho de sol específico na minha memória. É estático e um pouco desbotado, é diferente das memórias que inventei para as histórias da minha família, que é tão vibrante que chega a ser desconfortável. É diferente também dos meus anos de adolescência, muito mais noturnos do que diurnos, com um brilho muito mais parecido com o reflexo da luz do único salto alto que eu conseguia usar, um salto anabela todo preto de vinil que foi se desgastando entre as festas de 15 e os bares que não pediam documentação.
Enquanto isso, 2021 é uma memória encardida.
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2021 foi o ano mais difícil da minha vida. Nos primeiros minutos do ano, o pai do meu primo morreu de covid. Eu não o conhecia, mas senti também o impacto daquela morte – no quão repentino foi, no susto que deu na minha mãe, na tristeza que invadiu meu primo. Depois disso, meu pai caiu da escada e machucou o joelho de um jeito que teve que ir ambulância lá em casa. Meu pai caído no quintal, a perna sangrando, minha mãe tremendo e eu tendo que me fechar no banheiro com a Léia pros enfermeiros conseguirem entrar com a maca pra pegar meu pai. Duas semanas depois, minha mãe descobriu que estava com câncer de mama. A confirmação veio no mesmo dia da minha primeira aula da pós – uma aula sobre um filósofo francês, Simondon, que queria fazer filosofia a partir das máquinas; é claro que não entendi absolutamente nada.
Naquele dia e em todos os outros que se passaram, eu olhava pra janela do meu quarto e ficava ali só observando os traços da árvore que sempre esteve na frente da casa vermelha. As desgraças ainda não tinham acabado. Minha mãe estava na quimio e, deus, que processo difícil. Meu pai decidiu não operar o joelho porque isso faria com que ele ficasse imobilizado por tempo demais e não daria pra cuidar da minha mãe. Nesses meses, meu tio Henrique já estava com câncer no cérebro e meu pai ia ao parque caminhar com ele e com o meu primo, acompanhando lentamente seu processo de piora. Minha tia, esposa desse tio e irmã do meu pai, foi se deprimindo mais e mais. Meu tio morreu em junho do ano passado. Ninguém tinha contado nada pra minha avó porque a filha que mora com ela proibiu. Pouco tempo depois do tio Henrique morrer, na semana que minha mãe operou, minha avó desmaiou e teve que ir pro hospital, problema no coração.
Enquanto isso, eu tinha que ler, escrever, fazer o meu trabalho. Eu precisava pensar sobre discurso, arte e sociologia, mas tudo que eu conseguia pensar era na morte e na solidão. Eu tinha medo o tempo todo de que meus pais iam morrer e eu ia ficar completamente sozinha. E eu me enchia de raiva e tristeza profunda, porque sentia que tinha lutado a vida inteira para ser diferente disso. Eu e meu discurso de descentralizar a vida dos núcleos familiares, de que isso de que você precisa estar num casal e constituir uma família é uma tremenda de uma bobagem. Eu e mais do que meu discurso, porque tudo isso é uma crença profunda e uma luta contra a forma que as instituições são sistematizadas na nossa sociedade. De repente, percebi que só podia ter pensado tudo isso com tanta tranquilidade e sem crise porque meus pais sempre estiveram ali do meu lado, eu não conhecia a solidão, mesmo que minha família tivesse saído inteirinha do livro do Garcia Márquez. E assim que eu tive essa consciência palpável (em contraposição à consciência platônica que tinha anteriormente) da mortalidade dos meus pais, a primeira coisa que desejei foi ter um namoradinho. Nunca me senti tão ridícula. Podia ouvir o próprio Sigmund Freud rindo do túmulo dele.
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O que descobrimos com a doença da minha mãe é que cada câncer é um câncer, não dá pra achar que você sabe o que vai acontecer. E a gente foi aprendendo muito a cada ida ao médico, a cada novo paper que meu pai encontrava sobre o assunto. Ela tá bem agora, sem nenhum tumor, mesmo que o tratamento ainda não tenha acabado por completo. É um processo difícil o da doença e da cura. Uma das mil coisas fodas pra caralho de um câncer é que o tratamento é muito violento, é uma cura que destrói muito pelo caminho. E todos nós que tivemos que nos adaptar e re-entender. Todos nós ainda estamos nesse processo. *
Junto a tudo isso, um vizinho novo decidiu abrir uma hamburgueria atrás da nossa casa, a chaminé voltada pro quarto dos meus pais. O cheiro infestava a casa inteira, era impossível de conviver. A vida, que já tinha sido diminuída com a pandemia, estava ficando minúscula e, pela primeira vez na vida, a casa vermelha parecia mais um confinamento.
O bairro já tinha mudado muito a essa altura, é coisa do capitalismo, o processo de gentrificação. Primeiro, queimaram a favela que tinha algumas quadras pra baixo. Daí, começaram a subir prédios de luxo. Eu ainda era pequena na época, não entendia que o incêndio tinha sido uma queimada muito menos que todos aqueles lugares cheios de maquete que eu gostava de entrar pra ver as miniaturas faziam parte de um projeto de aumentar a marginalização da população pobre. Depois, foram as obras da CPTM, que fizeram e refizeram e nunca terminaram – "é pra Copa", só não disse qual. Então, chegaram os restaurantes mais arrumadinhos, as sorveterias, o preço foi aumentando, veio o crossfit, o meu vizinho marombado que parece um sobrevivente do apocalipse, daí o povo de 30 anos que se acha moderninho mas é conservador, enquanto aumentavam as pessoas sem moradia pedindo qualquer coisa, um pão, uma água, pelo amor de deus.
Já faziam anos que não passava cavalo na rua. A loja de brinquedos educativos virou quase um puxadinho. A praça sem árvores feita em memória às vítimas do avião que caiu no fim da rua foi ocupada por skatistas. O Waze passou a indicar a rua como rota alternativa, aumentando a passagem de carros. As casas foram sendo vendidas uma a uma e todas foram transformadas em negócios. Ano passado, era dia e noite o som das motos parando para pegar os pedidos de comida feitos pelo Ifood.
E eu ali, presa naquele quarto, sem já poder abrir a janela, enlouquecendo com o som das buzinas, olhando pra árvore em frente à minha casa enquanto o céu mudava lentamente de cor. Eu, ali, antes de fechar a janela pensando no mundo literalmente queimando, na destruição que agora era também interna, era no corpo da minha mãe, não havia escapatória.
*
Mudamos de casa no dia 8 de dezembro de 2021. Eu vou voltar pra São Paulo, a obra do apartamento acabou de começar. Enquanto isso, estou com meus pais no meio do Sertão do Cacau, onde em volta é tudo mato. No último dia na casa vermelha, eu sentei sozinha no quarto vazio, o quanto que antes foi a sala da televisão e, depois, quando a gente deixou de ter TV, virou meu quarto. Sentei ali onde antes tinha uma estante, a parede vermelha manchada de sol, e coloquei no meu celular Life Goes On, do BTS, pra tocar, fazendo aquele eco que só um cômodo vazio tem.
Depois disso, desci aquela escada pela última vez, ajudei meu pai a encaixar as últimas caixas no porta-malas do carro e, então, partimos.
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Tudo foi uma quebra. Mais uma fratura profunda. E a mudança de casa, mais uma vez, pareceu uma separação de toda a vida que eu tinha antes. Foram quase 20 anos na casa vermelha, foi lá onde tudo aconteceu. Eu me lembro. Das letra das minhas amigas na porta do meu quarto, de comer brigadeiro com minha amiga espremida na micro varanda do antigo quarto, de deitar na rede e dividir o fone de ouvido com meu melhor amigo, do meu primeiro beijo, de chorar atrás do armário de madrugada. Lembro das festas, das visitas, os pés sempre descalços e as paredes da sala sempre mudando de cor. Lembro do cruzeiro do sul, sempre ele, sempre aquele mesmo pedaço de céu que me lembrava que a vida é muito, muito maior do que o que quer que eu estivesse vivendo. Foram anos de amor, não tenho dúvidas. E foi uma quebra, mas dessa vez eu estava pronta. O rompimento já tinha acontecido. Concluímos que a mudança pro mato foi uma porralokisse dos meus pais, mas foi também algo que todos nós precisávamos assumir.
E como o eco de Life Goes On no quarto, como o eco na floresta, a vida continua.
Estamos nos adaptando. Mas também estamos sempre nos adaptando. É o que sabemos fazer, nossa condição humana. E se a força da vida é a força do caos, de nos tirar o chão e nos empurrar do abismo, a nossa força é a de navegar, boiar, flutuar. É transformar vida em memória, saber lembrar e esquecer.
Na primeira reunião do grupo de pesquisas do ano passado, minha orientadora disse a nós que, mais do que uma transformação, estamos passando por uma transmutação. Ela disse "é difícil, porque transformar é eufórico, mas transmutar é disfórico". É pra dentro. E tudo que é pra dentro tem um quê de incomunicável. E, se é incomunicável, às vezes parece que é incompartilhável e, daí, vem essa sensação de solidão. Mas a real é que a vida sempre será incomunicável, porque ela é mil vezes maior do que as palavras que temos em nossas línguas. E ainda assim estamos aqui, estamos juntos.
não esqueça, 2020
(para mais artes, só me seguir aqui)
Beijoks,
Clara